Confira mais uma incrível crítica de Nine – Um Musical Felliniano em sua temporada no Rio
Site Teatro em Cena: 13/10/2015
Montada para inauguração de um teatro em São Paulo, a montagem brasileira do musical “Nine”, assinada pela dupla Charles Möeller e Claudio Botelho, chega ao Rio em meio a grandes expectativas. “Nine”, afinal, é um nome conhecido dos fãs de musicais, pelas montagens premiadas na Broadway (1982 e 2003) e pelo filme de Rob Marshall (2009). No Brasil, os diretores cunharam o título de “Nine – Um Musical Felliniano”, que atrai ainda mais gente, com a menção ao cineasta italiano Federico Fellini (1920-1993), origem de tudo isso.
Arthur Kopit (texto) e Maury Yeston (letra e música) criaram “Nine” inspirados em “8 ½” (1963), vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. O longa-metragem de Fellini não tinha nada de musical. Por isso, o nome “Nine”: para os criadores do espetáculo, a música seria esse meio elemento que faltaria para a história se completar. Na montagem brasileira, além das canções de Yeston, também foram incluídas as compostas para o filme musical de Hollywood, o que torna a versão brasileira mais personalizada. Mas a história é a mesma: a do cineasta italiano Guido Contini que, incapaz de lidar com seu bloqueio criativo e as pressões das mulheres de sua vida, se retira de cena hospedando-se em um SPA em Veneza. Uma vez, lá, no entanto, ele percebe que todos seus problemas o acompanham. Seja de forma real, delírio, sonho/pesadelo ou lembranças, sua mulher, sua produtora, sua musa, sua amante e até a prostituta que mexia com ele na infância aparecem. Há ainda um elemento de metalinguagem, porque ele constrói um musical (cinematográfico) dentro de um musical (teatral).
Quem interpreta Guido é sempre uma grande questão, uma honra por assim dizer, porque ele é considerado um alterego de Fellini. O próprio cineasta escolheu Marcello Mastroianni para “8 ½”, e o papel coube a Raul Julia (1982) e Antonio Banderas (2003) na Broadway e a Daniel Day-Lewis em Hollywood (2009). No teatro brasileiro, o escolhido pelos diretores foi o ator Nicola Lama (de “Os Saltimbancos Trapalhões – O Musical”), que tem origem italiana e caiu como uma luva no personagem. Ele assume o espetáculo para si com propriedade, passeando com inteligência pelas cenas cômicas e dramáticas. Nicola proporciona uma interpretação rara no teatro musical brasileiro mais recente, com domínio da técnica, mas também um instinto muito visceral. É muito humana a construção de Guido, e é linda de se ver.
Os números musicais são contagiantes e impressionantes pela beleza estética. As coreografias de Charles Möeller e Alonso Barros (de “Chacrinha – O Musical”) impressionam especialmente em “Be Italian”, da prostituta Saraghina (Myra Ruiz, de “Nas Alturas”) com os pandeiros, e em “Getting Tall”, quando o Guido adulto e sua versão infantil (Luiz Felipe Mello) trabalham em sincronia. Os músicos regidos por Paulo Nogueira apresentam um som tão limpo que parece um CD, e o coro é de primeira. Faço questão de ressaltar os nomes das atrizes do ensemble, que sustentam grande parte das músicas com potência e harmonia: Agata Matos (de “O Rei Leão”), Camilla Marotti, Laís Lenci (ambas de “Os Saltimbancos Trapalhões”), Lola Fanucchi (de “Nas Alturas”) e Priscila Esteves. No elenco principal, destacam-se a amante Malu Rodrigues (de “Beatles Num Céu de Diamantes”) – como não adorá-la? – e a musa Karen Junqueira (de “Rock in Rio – O Musical”), que surpreende dando conta de um solo bonito. Carol Castro (de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”) segura a parte mais dramática da história, na pele da esposa traída, e chega a chorar em cena, o que sempre impressiona. No mais, Totia Meireles (de “Gypsy”) e Sonia Clara estão satisfatórias. Há um único número constrangedor em todo o musical, “conduzido” por Letícia Birkheur (de “Até o Sol Nascer”), mas a qualidade de todos os outros é infinitamente superior, então é fácil deixá-lo para trás.
“Nine – Um Musical Felliniano” acontece todo em um cenário fixo inespecífico, com uma estrutura de uma larga escada central e outras duas mais estreitas lateralmente. A cenografia de Rogério Falcão em nada lembra a do último espetáculo de Möeller e Botelho, “Os Saltimbancos Trapalhões”, uma grande produção. Esta é enxuta e sofisticada. Os figurinos, assinados por Lino Villaventura, por sua vez, são de encher os olhos – desde a elegância de Guido Contini até a variedade das mulheres que o cercam. Mas é a iluminação de Paulo Cesar Medeiros mais comunica e trata cada segundo de cena como um frame: dá para falar em fotografia, como no cinema.
Tido como uma das melhores montagens de “Nine” dos últimos tempos, o espetáculo que se vê no Rio é realmente espetacular. As escolhas, das minúcias aos aspectos gerais, são em geral muito positivas. Qualquer ponto baixo, que sempre há, é ofuscado pela beleza do conjunto. Para quem gosta de musicais, é uma boa pedida.
Por Leonardo Torres
Pós-graduado em Jornalismo Cultural.