Musical estreou na quarta-feira: dupla tem 37 espetáculos no currículo
por Marta Szpacenkopf
Paixão, obsessão, um vírus: é assim que Charles Möeller e Claudio Botelho classificam sua relação com o teatro musical, ofício que eles exercem juntos há 25 anos com amor e dedicação. A dupla, cuja presença em um espetáculo virou garantia de sucesso, comemora a data com a estreia de “Versão brasileira Möeller e Botelho — 25 anos de musicais”, que estreou ontem no Teatro Clara Nunes, no Shopping da Gávea. Na montagem, eles trabalham com a atriz Malu Rodrigues. Num encontro com a equipe do GLOBO Zona-Sul, os dois repassaram os principais pontos dessa trajetória.
— O teatro musical quase não foi uma escolha, foi um encontro meu com o Claudio. Na nossa geração, gostar de teatro musical era quase como gostar de uma arte menor. Quando começamos, em 1990, tínhamos esse assunto em comum e isso nunca parou — lembra Möeller.
Essa parceria começou a tomar forma durante a montagem de “Hello, Gershwin”, em 1990, com direção de Marco Nanini. Botelho estrelava o espetáculo junto com Claudia Netto, e Möeller fazia cenário e figurino.
— Esse foi o início da nossa conversa artística na vida. Fomos querendo mais, até que o Charles começou a dirigir, eu a escrever as letras e, nós mesmos começamos a criar os espetáculos — conta Botelho.
A dupla passou a fazer shows em boates, com Botelho e Claudia cantando, e Möeller, que era ator de TV na época, cuidando da parte estética, dos cenários e figurinos. Em 1997, com o espetáculo “As malvadas”, os artistas assinaram oficialmente pela primeira vez como a dupla Möeller&Botelho, como os grandes nomes da Broadway.
— A crítica se curvou, fomos chamados de “os meninos do musical”. Fizemos um enorme sucesso e ganhamos todos os prêmios — diz Möeller.
Em 2000, a dupla teve a possibilidade de usar o Teatro de Arena, e decidiu fazer um espetáculo sobre Cole Porter.
— O Charles fez uma biografia que tinha uma particularidade: Cole Porter não era personagem e não aparecia. Era a vida dele, contada pelas seis mulheres que passaram por sua vida. Era para ficar 15 dias e ficou três anos em cartaz. Acho que, a partir daí, a dupla ganhou um status e foi criada uma mania na cidade — acredita Botelho.
De lá para cá, o gênero se consolidou e eles já produziram 36 espetáculos em parceria. Segundo os artistas, o segredo de sucesso do trabalho e da longevidade da dupla é a diferença entre os dois.
— A nossa história no musical é muito distinta. As pessoas pensam que dirigimos os espetáculos juntos, ficamos 24 horas por dia juntos, mas, apesar de ele ser meu vizinho e de os nossos cachorros serem parentes, fazemos coisas diferentes — explica Möeller.
Botelho cuida da parte musical, regência de orquestra e, geralmente, faz os arranjos. Fã dos clássicos, ele se apaixonou pelo gênero aos 14 anos e admira profundamente a obra de compositores como Cole Porter e Sondheim.
— Eu tenho fases: é uma espécie de carrossel. Tenho relação muito grande com Sondheim, mas que está meio de férias no meu coração. Nesse momento, o Cole Porter é muito importante, porque conheço muito sua obra. A minha música parou em 1970, sessenta e poucos. Eu ainda escuto Judy Garland — conta.
No repertório da dupla, o preferido de Botelho atualmente é “Kiss me, Kate”, mas ele diz ter uma relação especial com a peça “Os Saltimbancos Trapalhões — O musical”.
— Ter conseguido fazer o que a gente fez com a obra do Chico Buarque, com a história, com a nova peça do Charles e colocar em cena Renato Aragão como o Didi em uma peça de teatro musical… Não tem emoção que valha isso, não tem dinheiro que pague. Eu podia parar, não fazia mais nada, não é? — brinca Botelho.
Na outra ponta, Möeller supervisiona os cenários e figurinos e ensaia com o elenco. Diretor estudioso, ele é fã de espetáculos mais modernos, mais pops, e trouxe a estética própria do musical para a parceria.
— Não sou uma pessoa que pega um texto e fala: vamos montar. Para mim é um grande exercício de transmutação. Eu venho estudando “Kiss me, Kate” há nove anos e pode ser que eu não acerte. Sempre falo que sou a cigarra da dupla e o Cláudio, a formiga. Eu preciso do estudo — diz Möeller.
De todas as peças já montadas, Möeller conta que a sua preferida é sempre a última em cartaz. Atualmente, “Kiss me, Kate” e “Nine — Um musical felliniano”, que encerrou a temporada no domingo.
Porém, ele revela ter um carinho especial por “Hair”, “O despertar da primavera” e “Um violinista no telhado”.
— São 36 filhos e não tem nenhum de que eu me envergonhe. Mas tem trabalhos em que eu cheguei num lugar bacana como diretor, são espetáculos que você se vê maduro — explica.
O ATRITO FAZ A DIFERENÇA
Outro ingrediente para uma parceria tão duradoura, segundo a dupla, é saber brigar. A dinâmica de trabalho dos dois envolve discutir pela melhoria do trabalho, pelo melhor espetáculo, cenário, música, elenco. Porém, nunca é pessoal, garantem, e sim, pela arte.
— Eu sempre falo que permanecemos juntos porque somos bons de briga. As pessoas, os casamentos, as sociedades se separam porque os envolvidos não são bons de briga. Eles brigam uma vez e se separam. Eu e o Claudio temos uma coisa maior que é a Möeller & Botelho. Não sou nem eu, nem ele. Ser dupla é isso. Estar em um eterno embate, e um convencer o outro — diz.
Porém, nem tudo são flores. Até o teatro musical se estabelecer como uma opção viável de trabalho, a dupla sofreu para encontrar no mercado músicos, equipe de som, equipe técnica e elenco que soubessem trabalhar com o gênero.
— Não tinha gente, era arrancar leite de pedra. Ninguém nunca tinha usado uma orquestra no Teatro Villa-Lobos, ninguém nunca tinha ido ao fosso. Ou seja, a passagem de som de “Company” (2001) durou três semanas, ninguém sabia fazer som. É como trocar um pneu: se você não souber fazer, não vai dar certo. Acho que toda metáfora do teatro musical é a tal troca do pneu — compara Botelho.
“Versão brasileira Möeller e Botelho — 25 anos de musicais”, o espetáculo de comemoração das bodas de prata, é o 37º da dupla e traz canções que remetem à trajetória dos diretores.
— Tem de tudo: é um caleidoscópio do que é a nossa cara. Coloquei um pouco de cada estilo, mas tive que fazer cortes dolorosos — conta Botelho.
Com direção de Möeller, Botelho divide o palco com Malu Rodrigues, uma espécie de musa da dupla. Ela começou a fazer aulas de canto aos 8 anos e participou de nove montagens dos produtores.
— Eles são meus segundos pais. É muita intimidade, quase um casamento. Eles têm muito bom gosto, é mais fácil conviver com gente assim. Você não precisa se preocupar tanto porque sabe que vai dar certo — derrete-se.
Malu cresceu no palco com os diretores. Sua primeira peça com a dupla foi “A noviça rebelde”, interpretando uma das filhas do capitão. Depois, veio “O despertar da primavera”, onde ela, aos 16 anos, ficava seminua em cena.
— A Malu simboliza uma pessoa que entrou muito jovem e que ascendeu na estrutura da Möeller & Botelho. Desde ser a Luiza, uma das filhas do capitão da “Noviça”, que nem é a personagem principal; até fazer o “7”, a protagonista no “Despertar”, a Dorothy no “Mágico de Oz”, a Carla no “Nine”. Ela é muito emblemática, representa um pouco esses elencos todos — diz Botelho.
A dupla já tem os direitos comprados para montar uma segunda versão de “A noviça rebelde” e Malu está escalada para voltar ao espetáculo, dessa vez como protagonista.
— Vai ser muito especial voltar e fazer o musical que foi o nosso encontro — comemora ela.
Para os próximos 25 anos, Möeller quer fincar sua carreira na Europa, viajar pelo mundo a trabalho e sonha criar a Fundação Möeller & Botelho, um espaço com aulas para tudo que seja relacionado ao teatro musical.
— Quero sedimentar e fundar pessoas. Meu sonho é ter um lugar com uma sala de ensaio, outra de dança, um acervo de figurinos, um teatro e um café pequenos. Quero que as pessoas que passarem pela minha escola levem meu legado, meu jeito de trabalhar, de estudar e que daqui a cem anos alguém esteja levando a nossa história adiante. Quero morrer no palco, como o Sergio Britto, não quero me aposentar — planeja Möeller.
Já Botelho não faz planos de longo prazo e pensa mais nas próximas estreias e nos espetáculos que ele ainda tem vontade de montar.
— Eu sou mais cético. Quero estrear “Promises, promises”, que, em português, se chama “Se meu apartamento falasse”, com Gregório Duvivier, Maria Clara Gueiros, João Vicente de Castro e Luis Lobianco. Também quero fazer a continuação de “7 — O musical” — planeja Botelho.
O Globo Zona Sul: 12/11/2015.