O Globo: O Mundo de Gregorio Duvivier

Fenômeno na internet com o canal de vídeos Porta dos Fundos, que vai virar filme, o ator e roteirista vai ser uma das estrelas do musical ‘Como vencer na vida sem fazer força’, em março.

Fenômeno na internet com o canal de vídeos Porta dos Fundos, que vai virar filme, o ator e roteirista vai ser uma das estrelas do musical ‘Como vencer na vida sem fazer força’, em março.

O mundo de Gregorio Duvivier

Por Carlos Albuquerque

Gregorio Duvivier é uma das estrelas do canal de vídeos Porta do Fundos, um dos maiores sucessos da internet brasileira, que vai se transformar em filme, ainda este ano, no embalo de quase um milhão de visualizações semanais. Recentemente, o ator fez o elogiado “O incrível mundo de Gregorio”, programa de humor com um toque experimental, que foi ao ar no Multishow e deve ganhar uma nova temporada no segundo semestre. Em 2012, fez o também elogiado monólogo “Uma noite na lua”, de João Falcão, manteve-se como um dos destaques do espetáculo “Z.É. — Zenas improvisadas”, ao lado de Fernando Caruso, Marcelo Adnet e Rafael Queiroga, e escreveu e atuou na peça “Inbox”. Na televisão, foi roteirista de “Louco por elas” e “As brasileiras”. Ele está também nos filmes “Vai que dá certo”, que estreia no dia 22 de março, dirigido por Mauricio Farias, e “Eu não faço a menor ideia do que eu tô fazendo com a minha vida”, de Matheus Souza, que chega às telas até o meio do ano.

Ironicamente, para alguém que assume ser um viciado em trabalho, o próximo projeto do ator de 26 anos — filho da cantora Olivia Byington e do saxofonista Edgar Duvivier — tem o título “Como vencer na vida sem fazer força”. Baseado no livro de Shepherd Mead, lançado em 1952 e transformado em sucesso na Broadway nos anos 1960, o musical tem direção de Charles Möeller e Cláudio Botelho e estreia em março, no teatro Oi Casa Grande.

— Nunca trabalhei num musical e nem numa produção desse porte — conta ele, enquanto espera sua hora de ensaiar num espaço na Tijuca. — Tem gente ensaiando no canto de numa sala, outros praticando dança na outra, e tem mais um ambiente onde são passados os textos. Tudo tem um cronograma certinho, e isso é ótimo para mim, já que tenho alguma dificuldade de organização e disciplina.

Na bem-humorada história — que já foi encenada no Brasil em 1964, com Moacyr Franco, Procópio Ferreira e Marília Pêra —, Gregorio vai dividir a cena com Luiz Fernando Guimarães e Letícia Colin, no papel de J. Pierrepont Finch, um farsante que tem três mandamentos para chegar ao topo: mentir, bajular os poderosos e puxar o tapete dos concorrentes.

— Cheguei a ver o musical em Nova York, há um tempo, com o Daniel Radcliffe, do Harry Potter, nesse papel que vou fazer, e ele mandava muito bem. É um trabalho muito puxado, mas muito bacana também. Eu já tinha cantado um pouco em outros espetáculos que fiz, mas aqui é uma coisa mais completa. Você tem que cantar, dançar e interpretar. É como se o seu cérebro passasse a funcionar de forma diferente, compartilhando inúmeras informações. Além do mais, a história é incrível, satiriza o mundo corporativo e também esse jeitinho brasileiro de querer se dar bem sem fazer muita força.

O convite para Gregorio fazer o papel veio depois que Botelho e Möeller viram o ator em cena em “Uma noite na lua”. Segundo o diretor, o estalo foi imediato.

— Fomos ver o monólogo pelo prazer de ir ao teatro, sem maiores pretensões — conta Botelho. — Mas aí vimos o Gregorio fazendo aquele tour de force incrível. Quando acabou a peça, nem pensamos muito. Falei para ele: “Você tem que ser o nosso Finch.” E foi uma escolha muito acertada. É um papel difícil, que tem que ser engraçado sem forçar a graça. Ele está incrível nos ensaios, cantando muito bem e nos fazendo morrer de rir também. Estamos in love com o Gregorio. Ele é um Peter Sellers carioca, com esse jeitinho bem particular de fazer humor, natural.

De fato, é realmente difícil não se encantar com o ator nos esquetes do Porta dos Fundos, seja como o modelo-nu existencialista, como o jornalista de perguntas inconvenientes ou como o homem que acorda e descobre que sua voz está dublada. O rápido e espantoso sucesso do grupo — que tem também Clarice Falcão (namorada de Gregorio), Fabio Porchat e Rafael Infante, entre outros — foi o trampolim para um longa, que vai ser dirigido por Ian SBF, o mesmo que assina os quadros.

— A gente começou o Porta dos Fundos em agosto. Nossos primeiros vídeos tiveram uns 50 mil views, o que já seria bom. Mas hoje já temos vídeos com quatro milhões de visualizações. É uma loucura, um crescimento absurdo — diz ele, que, por causa do musical, não está envolvido na criação do roteiro do filme. — Mas a gente está tentando fazer algo bem original, para não ser apenas uma colagem de esquetes. Isso não ia funcionar. Não pode ser apenas copiar e colar de uma plataforma para a outra. Não podemos mirar apenas no público da internet. O universo do cinema é bem mais amplo. Uma ideia é fazer algo como “Short cuts”, o filme do Robert Altman, com uma trama central amarrando tudo. Talvez seja uma festa onde ninguém consegue chegar porque está preso em alguma situação.

Entre os ensaios para o musical e as gravações semanais do Porta dos Fundos, Gregorio — tricolor, surfista frustrado e fã da banda americana The Postal Service — pensa também na sequência do seu programa no Multishow.

— Fazer “O incrível mundo de Gregorio” foi uma experiência incrível porque apostamos num tipo de humor que não existe muito por aqui, mais experimental, repleto de autoironia, numa linha parecida com a que o Ricky Gervais faz em “Life’s too short”, por exemplo. As pessoas normalmente se levam muito a sério aqui no Brasil — afirma ele. — O programa tem esse jeito de reality, que faz as pessoas se perguntarem se a minha vida e a da Clarice é mesmo assim. Isso é legal porque pode fazer com que elas passem a ver os próprios realities de forma diferente, menos passiva, mais questionadora. Fizemos só seis episódios na primeira temporada porque era o que a gente tinha, não queríamos esticar. E o canal apostou na ideia. Vamos conversar agora e ver como faremos para levar essa ideia adiante.

Curiosamente para alguém que está se firmando cada vez mais no meio do humor, Gregorio garante que esse não é o seu habitat; ao menos não o único. Ele faz coro com aqueles que afirmam que todo comediante esconde uma alma angustiada.

— O Steve Martin, de quem sou fã, é que diz isso, que o humor vem da angústia. Não digo que seja uma pessoa angustiada, gosto muito do meu trabalho, mas não sou um cara que vai numa festa e reúne gente em volta com suas piadas — garante ele. — Fui para a comédia por acaso, a reboque de outros trabalhos. O comediante é o cara que percebe o seu próprio ridículo. Acho que, nesse sentido, sou mais do drama do que do humor.

 

Fonte: O Globo – 30/01/13