O Globo: Fellini e Shakespeare inspiram musicais no Rio

Möeller & Botelho celebram nova fase com estreia de ‘Nine’ e preparação de ‘Kiss me, Kate’

Möeller & Botelho celebram nova fase com estreia de ‘Nine’ e preparação de ‘Kiss me, Kate’

O Globo: 13/10/2015.

Quando olham para trás, Charles Möeller e Claudio Botelho veem um cenário de impossibilidades:

— Os teatros não tinham fosso, equipamentos, ninguém sabia cantar, dançar e interpretar junto — lembra Möeller. — Éramos nós e cinco atrizes-cantoras. Os loucos nas trevas, mas aconteceu.

Hoje, 18 anos após seu primeiro musical, o cabaré trash “As malvadas”, Möeller e Botelho já criaram 35 obras e conquistaram um público fiel, mas agora, além do reconhecimento, o que eles celebram é a autonomia artística e de produção. Após o fim de parcerias com a Aventura Entretenimento e com a GEO, a dupla inaugurou, em 2013, uma produtora própria, a Möeller & Botelho, estreou dois musicais de sucesso — “Todas as canções de Chico Buarque em 90 minutos” e “Os saltimbancos trapalhões” —, e vai colocar quatro obras em cartaz simultaneamente no Rio. No último dia 1º, eles iniciaram a 12ª temporada de “Beatles num céu de diamantes”, no Teatro do Leblon. Na quinta-feira passada, estrearam “Nine — Um musical felliniano”, no Teatro Clara Nunes. No próximo dia 27, levam ao mesmo teatro “Todos os musicais de Möeller e Botelho”, em que repassam suas duas décadas de carreira (com a atriz Malu Rodrigues em cena). E, no dia 29, os dois lançam “Kiss me, Kate: o beijo da megera”, no Teatro Bradesco, com José Mayer em cena, numa obra que se inspira em clássico cômico de Shakespeare.

— O que importa, hoje, é continuar. A História é feita dos que permanecem — diz Möeller.

Para permanecer e lidar, primeiro, com as limitações de recursos e, depois, com as pressões do mercado, eles tiveram de se reinventar:

— Houve um boom dos musicais de produtores. E todos passaram a trabalhar para atender ao diretor de marketing (das empresas patrocinadoras). Uma cadeia em que o lado artístico ficou longe — diz Möeller. — E aí mudamos de estratégia.

A dupla apostou em produções de menor porte, com repertórios conhecidos, turnês mais extensas ou novas temporadas de antigos sucessos:

— Perdemos acesso a certos patrocinadores, e voltamos a ser responsáveis pela produção — diz Botelho. — Nós nos adaptamos, estruturamos, e acho que os musicais estão chegando a uma nova fase, o fim do excesso de musicais biográficos.

Botelho acredita que, passada a euforia, patrocinadores “estão em busca de credibilidade artística”. E foi apostando nisso que eles sugeriram “Nine” para abrir o Teatro Porto Seguro (SP), em maio:

— Eles podiam ter optado por musicais mais fáceis e divertidos, mas acreditaram em “Nine”.

Inspirado no clássico “8 1/2” (1963), de Federico Fellini, o musical estreou na Broadway em 1982. Se o filme havia rompido paradigmas narrativos e estéticos, ao devassar o inconsciente de um artista em crise em diferentes planos — realidade e delírios —, a versão musical também marcou um renascimento na Broadway dos anos 1980. A adaptação, criada por Maury Yeston (compositor e letrista) e Arthur Kopit (autor do texto), rendeu à obra cinco prêmios Tony, incluindo o de melhor musical.

— Foi uma ruptura para a Broadway. Um trabalho mais cerebral, que lidava com o interesse de Fellini pela psicanálise de Jung — analisa Möeller.

ENTRE O REAL E O SONHO

Em cena, o ator italiano Nicola Lama interpreta Guido Contini, o alter ego de Fellini. Em pleno vazio criativo, ele não sabe como fazer seu novo filme e se interna num spa. Lá, em vez de repouso, é atormentado por imagens das mulheres da sua vida: a mãe (Sonia Clara), a mulher (Carol Castro), a amante (Malu Rodrigues), a musa de seus filmes (Karen Junqueira), a prostituta (Myra Ruiz) e a sua produtora (Totia Meireles). Sem distinguir realidade, memória, fantasia e sonho, os acontecimentos se passam em diferentes planos, todos compromissados com o onírico e não com o realismo.

— Foi um ato de coragem do Fellini expor o seu caos, se mostrar à deriva como um diretor de cinema que não sabe o que fazer — diz Möeller. — Ele revela a face oculta do criador, desmitifica o artista e fala sobre criação. Nós nos identificamos.

Botelho argumenta que, mesmo num espetáculo pleno de ousadias, “todo mundo acompanha”. Diretor musical e responsável pelas versões, ele destaca o trabalho musical da obra:

— O desafio maior foi esse. Não são canções conhecidas do grande público. Mas nosso prazer é fazer com que as pessoas descubram obras novas.

Serviço — “Nine — um musical felliniano”

Onde: Teatro Clara Nunes — Rua Marquês de São Vicente 52, Gávea (2274-9696).

Quando: Qui. a sáb., às 21h, e dom., às 19h.

Quanto: R$ 90 (qui. e sex.) e R$ 120 (sáb. e dom.).

Classificação: 12 anos.

Por Luiz Felipe Reis.

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