Espetáculo de Charles Möeller e Claudio Botelho estreia nesta quinta-feira no Theatro Net Rio.
Sentado à terceira fileira, Milton Nascimento olha o palco e não se contém.
— Meu Deus, ainda não tinha visto isso… — diz.
“Isso” é o imponente cenário de ar barroco cravado no palco do Theatro Net Rio, onde o musical “Milton Nascimento — Nada será como antes” alça voo a partir desta quinta-feira, com direção de Charles Möeller e Cláudio Botelho. Criada por Rogério Falcão, a cenografia comporta grandes painéis que remetem a uma tradicional “casa mineira” — expressão que sugere tanto a casa da infância do próprio Milton, em Três Pontas, como o estado de Minas Gerais, abrigo da sua música.
— O cenário, o musical… Tem tudo a ver comigo. Me reconheço nesse palco cheio de gente e nessas vozes cantando juntas. Eu gosto de gente e de casa cheia — diz o cantor.
Não à toa, Milton organiza até hoje saraus musicais, herança que carrega dos pais festeiros, Lília e Josino.
— Meus pais sempre gostaram de festa, e eu também — diz. — Não sei compor numa casa vazia. Quando ouço um barulho é que a coisa ganha vida. É aí que consigo compor, criar. Então é por isso que esse palco lembra a minha casa.
Em cena, 14 atores-cantores-músicos se unem para representar a potente e encorpada voz de Milton. Marya Bravo, Claudio Lins, Tatih Kohler, Pedro Sol, Estrela Blanco, Jules Vandystadt, Cassia Raquel, Jonas Hammar, Wladimir Pinheiro e Sergio Dalcin se unem aos músicos Délia Fischer, Whatson Cardozo, Pedro Aune e Lui Coimbra, com quem, antes de o ensaio começar, Milton acertava alguns acordes.
Logo depois, após uma breve passagem de som, Milton se vira para Botelho e diz:
— Acho que não vai precisar daquele acorde que eu falei, não. Está lindo — diz.
E Botelho explica o feito:
— Eu juntei “Canto latino” com “Sentinela” e “Menino”.
Após o fim do ensaio, que reuniu pérolas como as duas edições de “Clube da Esquina”, “Raça”, “Bola de meia, bola de gude”, “Maria Maria”, “Caçador de mim”, “Milagre dos peixes” e outras, Bituca não titubeia:
— O que eles fizeram com “Canto latino” e “Sentinela” mexeu demais. É a passagem mais marcante — diz. — Mas o incrível é o entrelaçamento entre as músicas, a forma como elas se fundem. Fico bobo de ver como transformaram as minhas canções numa peça.
Para isso, Möeller e Botelho harmonizaram cerca de 50 músicas em quatro momentos, que representam as estações do ano. Da primavera afloram as faixas relacionas ao ato da criação; a percussão esquenta no verão; no outono emerge a mineirice do compositor, a partir de metáforas que revelam desejos, saudades, amores; e a solidão fria desemboca no inverno, onde o gelo se quebra no furor de temas políticos.
— Foi por essa amplitude que optamos por um musical dedicado às canções — diz Möeller. — São elas que revelam a subjetividade, enfim, todas as estações de Milton.
Estações que ajudaram colorir com outros tons o cenário da música popular brasileira.
— Antes dele, a música popular podia ser carioca, baiana, mas é com Milton que descobrimos Minas — diz Möeller. — É ele que nos revela o mistério desse lugar onde as pessoas se encontram num clube, numa esquina, ou em casa. E sempre com muita música.
Por: Luiz Felipe Reis
Fonte: O Globo – 09/08/12