Entrevista Fernando Vieira

Fernando Vieira: “O mundo do Oz é um prato cheio para a exploração do lado criança da plateia de todas as idades”

Fernando Vieira: “O mundo do Oz é um prato cheio para a exploração do lado criança da plateia de todas as idades”

Você sabia que Fernando Vieira, que interpreta o Tio Henry e o Guarda da Cidade das Esmeraldas na temporada paulista de “O Mágico de Oz”, além de ator é mímico e estudou Commedia Dell’arte e Clown?
 
Fernando também já trabalhou em TV (um papel marcante em sua carreira foi Enrico, em “A História de Ana Raio e Zé Trovão”), no teatro (com Antunes Filho, Guel Arraes e João Falcão, entre outros) e desde 2004 é fundador e professor de improvisação e corpo no Centro de Formação de Atores Globe-SP e leciona Commedia Dell´Arte e Clown no Estúdio Luis Louis.
 
Nesta entrevista exclusiva ao Site Möeller & Botelho, Fernando conta de sua experiência no musical – o primeiro de sua carreira, como construiu seus personagens, e como foi se apresentar pela primeira vez para os filhos, os gêmeos Massimo e Marco, de três anos e meio.
 
 
 
Você tem experiências com o teatro clown, a mímica, a Commedia Dell’art… De alguma forma você pôde fazer uma ponte desse universo com o lúdico e o onírico de O Mágico de Oz?
 
O clown trabalha com o lado cômico e com o ridículo do ser humano. Rimos e nos identificamos com o palhaço, pois ele nos faz sentir bem em relação a nós mesmos. Somos nós aos cinco anos de idade, ingênuos, crédulos, positivos e curiosos. Neste sentido, o mundo do Oz é um prato cheio para a exploração do lado criança da plateia de todas as idades. Digo todas as idades, porque todos nós já fomos crianças, e ser transportado mais uma vez para aquela idade onde a fantasia habita é uma experiência fascinante. Todos os seres de Oz são clownescos, sem medo do ridículo. Todos são representações fantásticas e divertidas da realidade e que se tornam leves, pois são tratados com humor. Os desafios enfrentados por Dorothy e seus amigos são vencidos graças às atitudes sinceras e positivas, típicas do palhaço. As expressões corporais, faciais, posturas e gestos dos personagens necessitam de limpeza e precisão e isso acontecesse tanto na dança como na atuação. A mímica é a arte de imitar. Poder reproduzir com perfeição os movimentos em sua forma, ritmo e intensidade. Neste sentido, a mímica está muito presente na peça, ajudando na ilusão dos ambientes, climas e interpretação. A ilusão de peso do machado do homem de lata dada pelo espantalho passou pela minha batuta. Mesmo não sendo requisitado, não consigo deixar passar a possibilidade de ajudar na técnica da mímica. Meu ofereço sempre e deixo livre para a direção decidir se é válido ou não. Neste caso funcionou.
 
Com personagens emblemáticos, referência para muitos trabalhos no cinema, teatro e literatura, O Mágico de Oz possui algumas similaridades com a Commedia dell´arte. A Commedia trabalha com arquétipos do século XVI e que sobrevivem até hoje: o velho avarento, o servo esperto, o jovem apaixonado, o valentão exibido, entre outros. Com máscaras distintas, movimentos e posturas características, a atuação permitia uma interatividade com a plateia, como acontece nos teatros de rua.
 
No mundo de Oz de Moeller e Botelho essa interatividade, essa ausência da “quarta parede” se apresenta nas personagens da Bruxa do Oeste, no Leão e no próprio Mágico. Eles reagem e interagem com o público deixando o espetáculo muito íntimo e particular a cada apresentação, um privilégio.
 
 
Você já havia participado de um musical desse porte? Como é a sensação?
 
Nunca tinha participado de um musical, nunca tinha cantado em público. Estrear num musical desta magnitude foi um grande desafio. E eu adoro desafios! No início me mantive muito atento à estrutura e à disciplina. Adorei o profissionalismo da produção, elenco e direção. Fiquei impressionado com a tecnologia, a riqueza do cenário, o operacional dos maquinistas e contrarregras, a precisão dos iluminadores e técnicos. Uma verdadeira orquestra, inclusive a orquestra!
 
O virtuosismo dos bailarinos-cantores-atores-acrobatas, o coleguismo e carinho de todo o elenco me conquistou, dentro e fora do palco. Eu não sabia, mas depois de um dia inteiro de trabalho juntos, quando se sai para uma festa com as mesmas pessoas, se deve cumprimentar de novo, como se não tivesse visto ninguém há duas horas…
 
Todos se conhecem de outros musicais e a troca de informações é constante.
 
Que tal trabalhar ao lado de um elenco tão diverso, que mistura nomes como Luiz Carlos Miele, Heloisa Perissé, Lucio Mauro Filho a jovens nomes do teatro musical, além de bailarinos, cantores?
 
Está sendo muito divertido. Os mais experientes tem muita paciência e tolerância. Os jovens o entusiasmo e a energia contagiante. Todos profissionais de primeira linha. É muito bonito participar e presenciar o ritual da concentração antes de cada apresentação, o aquecimento vocal, a roda de energia positiva, as observações e as “notas” da direção e do maestro.
 
Fiquei o primeiro mês no camarim, junto com o ensemble. Foi muito bom, mas percebi que não conseguiria acompanhar o ritmo da garotada. Tenho dois filhos de três anos e meio e não temos babá. Acordo muitas vezes de madrugada e brinco com eles pelas manhãs. Ficou muito puxado pra mim e pedi arrego. Pedi para ficar no camarim dos atores e me recolocaram no camarim do Miele. Ele, um gentleman, me recebeu carinhosamente. Damos muitas risadas e ele tem muitas histórias boas sobre a MPB e a Bossa Nova.
 
A Lolô é uma excelente parceira de cena, conversamos bastante sobre a personagem dela e criamos uma relação engraçada entre o Tio Henry e a Srta. Gultch. Inteligente e rápida, está sempre disposta a tentar coisas novas, logicamente, dentro do contexto e da história. Não contraceno muito com o Lúcio, mas nos momentos que estamos em cena juntos, é sempre muito divertido. Na cena do ciclone, em que todos vão para o abrigo, comentei e mostrei a famosa cena do Marcel Marceau andando contra o vento. Na hora ele colocou na cena e do jeito dele. Ficou hilário!
 
André Torquato e Nicola Lama são parceiros incríveis. Generosos e bem-humorados estão sempre a postos a ajudar e trocar ideias, dentro e fora de cena.
 
Fui bem acolhido por todos, mas preciso enfatizar a atenção da Bruna Guerin, a gentileza da Malu Rodrigues, o apoio do Beto Vandesteen, a simpatia do Otávio Zobaran e da Karina Mathias e os conselhos do Carlos Martin. Na produção o carinho e presteza da Martha Lozano, Issac e Edu.
 

 
Como você construiu seus personagens, o Tio Henry e o Guardião de Oz? Eles têm nuances diferentes, não?
 
Bom, primeiro tive que entender a visão da personagem Dorothy. Pensei nas associações que ela fez entre os personagens do Kansas e o Mundo de Oz. Alguns foram claramente por semelhança: Srta. Gultch – Bruxa Má, Tia Em – Glinda, Professor Marvel – Mágico de Oz. Os outros são menos evidentes. Imaginei que talvez a Dorothy quisesse que o tio fosse menos sisudo e optei pelo contraste na construção do Tio Henry, até porque no final da peça ele meio que se redime ao dizer “Por um minuto achei que você tivesse deixado a gente” (morrido, na minha visão). O Guarda então é o oposto do Tio Henry. Festivo e muito eufórico, propaga a ideia de que em Oz é tudo muito bom e alegre, o que mais tarde se constata, não é bem assim. Os próprios Ozianos são enfadados, parecem viver de aparências, se alegram, mas só até o momento que lhes convém. O Guarda segue ordens, mas decide intervir a favor de Dorothy quando ela chora desesperada e triste por não poder falar com o mágico. Basicamente o Tio é constante e o Guarda, inconstante.

E que tal ter seus filhos, os gêmeos Massimo e Marco, e sua mulher, a atriz Suzy Rego, na plateia te assistindo?
 

Eles nunca tinham me visto cantar. Marco e Massimo nunca tinham me visto no palco. Eles adoraram. Sabem quase todas as músicas de cor, apesar dos três anos e meio de idade, e acompanharam com alegria todas as cenas da peça. Quiseram ver todos no camarim durante o intervalo, mas em especial o Totó. A Suzy estava radiante e prometeu voltar para ver sozinha, pois ficou o tempo todo administrando a euforia dos meninos. Talvez tenha sido a apresentação mais emocionante da minha carreira, até agora.

Entrevista a Leo Ladeira.