Ubiratan Brasil, O Estado de S.Paulo
19 de julho de 2019.
O elenco do musical Pippin, que estreia nesta sexta-feira, 19, no Teatro Faap, teve uma agradável surpresa no início da semana: o criador das canções, o americano Stephen Schwartz, veio especialmente a São Paulo para acompanhar os últimos ensaios. Autor de outros clássicos do musical mundial, como Godspell e Wicked, além de vencedor de prêmios como Oscar, Grammy e Globo de Ouro, Schwartz se entusiasmou com a versão brasileira quando assistiu a Pippin na temporada carioca. “Há uma incrível vitalidade”, comentou ele com o Estado.
Sua empolgação foi tamanha que ele aceitou vir a São Paulo a convite de Claudio Botelho, que, ao lado de Charles Möeller, assinam juntos seu 43.º espetáculo. “É um luxo contar com a presença de Schwartz – além de obviamente conhecer bem o musical, ele é sensível em apontar os pontos em que cada ator pode melhorar sua atuação”, conta Botelho, que mantém constante troca de mensagens com o criador americano.
E, nesse caso, qualquer detalhe é imprescindível. Pippin estreou em 1972, quando revolucionou a Broadway por retratar o estado de ânimo dos jovens que, desiludidos, não se contentavam mais com os prazeres oferecidos pelas drogas e pelo sexo. “Era o quadro de uma América desiludida”, comenta Möeller. “A guerra do Vietnã continuava, o desencanto era geral e Nova York, especialmente a Broadway, era dominada por bandidos e prostitutas. Pippin reflete assim esse clima desesperançoso.”
O espetáculo é comandado por uma mestra de cerimônias, que lidera uma trupe de artistas que convida a plateia a mergulhar na magia do teatro e conhecer a fábula do príncipe Pippin, filho do rei Carlos Magno. Em busca de autoconhecimento e de um sentido para a sua vida, ele enfrenta batalhas, experimenta o poder, a simplicidade e o amor. “Ele é um sonhador, que não sabe realmente qual caminho deve seguir – algo comum à maioria dos jovens”, observa João Felipe Saldanha, que empresta sua vivacidade na interpretação de Pippin, em uma bela combinação de humor e fragilidade. “Trata-se de uma interessante representação do jovem dos anos 1970.”
Schwartz estava com 24 anos quando Pippin estreou – ele vinha de outro sucesso, Godspell, e assinaria ainda outro bem-sucedido musical (Wicked, em 2003). “Ele quebra parâmetros, especialmente quando o coreógrafo Bob Fosse se junta ao projeto, tornando-o mais sombrio”, observa Möeller. “Pippin é um herói com dúvida. Ele mergulha à exaustão na luta contra sua eterna insatisfação. Por isso, participa de uma guerra, vive em uma fazenda, e ainda passa a vida com muito sexo.”
“Ele representa a busca por algo a mais, pois se sente como alguém sem um dom”, completa Botelho, empolgado com atualidade do texto. “Pippin é alguém insatisfeito: poderia ter morrido na guerra, na orgia, de tédio com a vida no campo, mas continua movido pela necessidade de ter algo a mais.”
É com tal otimismo que Schwartz buscou temperar a montagem paulista. “Embora todas montagens sigam um padrão, eu quis ressaltar uma brasilidade aqui”, conta ele que, mesmo não entendendo frases em português, sugeriu mudanças nos diálogos. “Ele inverteu a ordem de algumas orações e também me aconselhou a repetir certas palavras para dar mais ênfase”, observa Totia Meireles, que vive a Mestre de Cerimônias. “Interessa mais o som que o significado.”
As instruções de Schwartz ajudaram também na compreensão do texto. “Ele nos ajudou a entender melhor as relações entre os personagens”, acredita Thiago Machado, que vive Lewis, irmão de Pippin. Já Mira Haar, que interpreta Berthe, a avó do personagem, foi tomada por uma onda saudosista ao participar do espetáculo. “Participei de um grupo, o Pod Minoga, no início da minha carreira, que tinha um estilo mambembe como o da peça”, conta ela, que brilha em seu número musical, no qual Berthe dá uma lição de otimismo ao neto, quando ele está mais desorientado. “Cansa, mas adoro”, confessa.
‘Musicais hoje trazem emoção da ópera’, diz Stephen Schwartz, compositor e criador de ‘Pippin’
Como você uniria seus principais trabalhos, ‘Godspell’, ‘Pippin’ e ‘Wicked’?
Acho que, em todos, o protagonista se acerta na vida, mas a um custo. Em Godspell, Jesus não se sente aceito pelo grupo inicial; em Pippin, a dúvida é: “qual é meu lugar no mundo?”; e, em Wicked, temos uma garota de pele verde que luta para ser aceita.
Os musicais hoje têm menos densidade dramática?
Não concordo. Hoje, há espetáculos que se destacam pela inteligência e profundidade. Penso em Dear Evan Hansen, Hadestown e mesmo Hamilton. De uma forma distinta, eles trazem uma emoção que provém da ópera.
A primeira montagem de ‘Pippin’ teve direção e coreografia de Bob Fosse…
…e continua atual. Bob colocou seu ponto de vista, sua visão coreográfica. Acho que é seu espetáculo mais pessoal. Mais que Chicago.
Teatro Faap. Rua Alagoas, 903. 6ª, 21h. Sáb., 17h e 21h. Dom., 15h e 19h. R$ 75 / R$ 120. Até 18/8.
Publicado originalmente no Estado de São Paulo.