ELA (O Globo): Lino Villaventura estreia no figurino de musicais

A convite de Charles Moeller e Claudio Botelho, o estilista assina o figurino de Nine — um musical felliniano, que entra em cartaz no dia 23, em São Paulo

A convite de Charles Moeller e Claudio Botelho, o estilista assina o figurino de Nine — um musical felliniano, que entra em cartaz no dia 23, em São Paulo

Lentes de contato brancas. Cabeças alegóricas. E modelos performáticas. Desfile de Lino Villaventura tem que ter algum desses elementos. Ou todos ao mesmo tempo. O estilista paraense, que se divide entre um ateliê em São Paulo e outro em Fortaleza, é conhecido pela originalidade. Se DNA é palavra recorrente na moda, o código genético de sua grife é inconfundível. Identidade é o que não falta na marca criada ao acaso há 38 anos, quando ele sonhava ser um engenheiro.

Aos 63 anos, Lino estreia em outro palco. O dos musicais. A convite de Charles Möeller e Claudio Botelho, o estilista assina o figurino de “Nine — um musical felliniano”, que entra em cartaz no dia 23, em São Paulo. Criou vestidos, capas, casacos e corset para atrizes como Beatriz Segall, Leticia Birkheuer e Mayana Moura. Como Lino e luxo são quase sinônimos, a plateia verá um desfile de organzas de seda pura, tafetás, bordados e técnicas de alta costura em cena.

— Não fiz um figurino descartável. Tudo foi feito à mão — conta o estilista, minutos depois de sua sessão diária de musculação (ele malha sete dias por semana). — Não quis fazer com que as personagens virassem divindades, quis trazê-las para o mundo real.

Em pouco mais de 30 dias, Lino elaborou e confeccionou as peças. Para Letícia, um turbante de pele fake de leopardo. Para Mayana, um vestido longo preto com transparências, origamis e plissados. Para Malu Rodrigues, um body todo bordado com cristais. E para Totia Meireles, um casaco “deslumbrante que me deixou muito orgulhoso e que quero guardar no meu acervo”.

— O Lino imprime a marca dele em tudo o que faz, ele tem uma assinatura. Isso contribuiu muito para a minha direção. Ele tem uma capacidade única de transformar a mulher, com muita sensualidade, força e brasilidade — comenta Charles.

Durante o processo de criação, o diretor orientou Lino a ser o mais real possível. Embora seja conhecido por fazer desfiles-shows com modelos que se beijam, dançam ou se deitam na passarela, Lino defende que sua moda é usável e pé no chão. No auge de sua carreira, participou de exposições em Dusseldorf, Amsterdam, Beirute, Tóquio. Sua moda estava quase sempre associada ao conceito de wearable art. Algumas clientes chegavam a botar casacos ou vestidos criados pelo estilista em caixas de acrílico.

Lino, no entanto, prefere não se incluir nesta categoria.

— Quando vi que estava sendo convidado para muitas exposições ao redor do mundo, comecei a me preocupar. Eu não faço wearable art. Meu intuito não é ir para museus. Quero pensar na vida real e vender minhas peças para as mulheres usarem — avisa o estilista, horas antes de desfilar sua coleção de verão, quinta-feira, na Dragão Fashion Week, em Fortaleza.

O que acontece na passarela, avisa, é efeito cênico. Desmonte luz, performance e caracterização, e você verá uma peça absolutamente real, ele garante, feita por artesãs que trabalham há mais de duas décadas com Lino.

— Se for para ver um desfile banal, prefiro ir para a rua, sentar num barzinho e ver as pessoas passarem. Eu me lembro de sentar no Amarelinho, na Cinelândia, no final dos anos 80, e ver um filme com as pessoas andando para lá e para cá. Hoje isso é mais difícil porque é tudo muito básico.

“Parecia um E.T”

O que, afinal, ele diz para as modelos deixarem de desfilar como cabides ambulantes para virarem performers na passarela? “Quero vocês no final de uma festa maravilhosa, imaginem que vocês estão enebriadas, beberam um pouco e são capazes de sair pela rua correndo e felizes, com os sapatos na mão”, conta. Não à toa, ele é dos melhores image makers da SPFW. A foto de seu último desfile, em abril, com a modelo Marina Dias “desmaiada” sobre o vestido, foi destaque no jornal “Financial Times”

Sua trajetória na moda começou por acaso. Ou, se preferir, por amor. Ou ainda por falta de dinheiro para comprar um presente para a namorada. No fim dos anos 70, ele era um estudante de Engenharia, chamado Antônio Marques dos Santos Neto, que namorava Inez (atualmente sua sócia e ex-mulher). Ele fez um colete para dar a ela. Dali, começou a inventar bolsas, saias e largou a faculdade para se dedicar à moda e ganhar respeito no fechado circuito Rio-SP.

— Quando comecei meu trabalho, eu parecia um E.T. A moda brasileira não tinha originalidade. Tudo se copiava. Abri caminho a facada e a machadada. Olhando para mim mesmo naquela época, diria que era um garoto maluco — lembra Lino, que integra o line-up da São Paulo Fashion Week e, no Rio, vende suas peças na multimarcas Dona Coisa.

Ao longo de sua carreira, Lino vestiu nomes como Hebe, Xuxa, Claudia Raia, Carmen Mayrink Veiga. Algumas delas, inclusive, desfilaram para sua grife. Isso nos tempos em que as celebridades usavam as roupas ou por gostarem da peça ou por amizade ao estilista — algo raro hoje, quando atrizes só se sentam nas primeiras filas de desfiles e prestigiam lançamento de coleção mediante cachê de “presença”.

— Ainda existem as que usam porque gostam, e até compram. Para algumas, de quem gosto e sinto prazer em vestir, até empresto uma roupa. Mas sou incapaz de pagar alguém para usar minha roupa ou para ir a meu desfile. Quem vai, tem que ir porque gosta do trabalho — diz Lino, em crítica à estratégia de muitas grifes brasileiras.

Lino, aliás, é apelido de infância. Achavam-no parecido com o personagem-título do filme “Marcelino pão e vinho” (1955). O sobrenome que o tornou famoso é na verdade o nome de uma região de Fortaleza, que ficava próxima ao ateliê. A referência para se chegar até lá era: “é perto da Vilaventura”. Daí um colunista social publicou uma foto dele e o nomeou Lino Villaventura (com dois ll). O estilista não gostou, achou ridículo até, mas o nome pegou e ele acabou registrando em cartório. Não foi numerologia, mas deu sorte.

 

Melina Dalboni é coordenadora de moda do caderno ELA.

O Globo: 09/05/2015.