Edgar Duvivier: “A criação do mundo novo, mais verdadeiro do que o real”

Leia abaixo texto escrito por Edgar Duvivier, que desde “O Despertar da Primavera”, em 2009, registra os musicais da dupla Möeller & Botelho. Agora, em 2013, ele não só fez o making of de “Como Vencer na Vida sem Fazer Força”, como trabalhou ao lado dos filhos, Gregorio e Bárbara Duvivier.

Leia abaixo texto escrito por Edgar Duvivier, que desde “O Despertar da Primavera”, em 2009, registra os musicais da dupla Möeller & Botelho. Agora, em 2013, ele não só fez o making of de “Como Vencer na Vida sem Fazer Força”, como trabalhou ao lado dos filhos, Gregorio e Bárbara Duvivier.

 

O Teatro, assim como a música, é uma arte do tempo, do presente, do AQUIAGORA. Quando toco, sinto esse barato, que o surfista sente ao descer uma onda. Você tem que escorregar, tocar as notas e fazer manobras perfeitas dentro do fluxo das ondas do mar ou do som, Se você bobeia, se você pensa, você leva um caldo. No teatro é a mesma coisa. O que faz um bom ator é o tempo. Tempo de vida, de experiência, de maturidade e seu tempo interior, de sentir e falar. Um segundo a mais ou a menos pode estragar uma fala, uma cena. Isso é muito bonito, mas isso passa e a gente fica com saudades. Com a escultura, se passa exatamente o contrário. Ela é parada e eterna. Despreza as horas, os dias, os séculos. Ela nos espera imóvel, e temos todo o tempo que quiser para acabar nossa obra. Dessa vantagem, nasce o problema de como dar vida, movimento, verdade a essa peça inerte. As ideias invisíveis que habitam o universo, como frequências de rádio ou TV, só passam a existir quando retiradas do Éter e realizadas em algum formato, dentro ou fora do tempo (como almas penadas que precisam de um corpo para viver). Enfim, com a invenção dos meios de gravação, tornou-se possível retirar do tempo, as artes temporais. Hoje se pode gravar uma música. Uma peça de teatro, um filme. Pode se dar um “pause”, parar o movimento. A edição permite a troca dos momentos, o “reverse”, a câmera lenta e uma série de artifícios que desrespeitam o tempo físico, cronológico.

Eu tinha acabado de assistir ao musical “Avenida Q” de Charles Möeller e Claudio Botelho, e saí com maior vontade de filmar aquela peça, para guarda-la pra sempre, como se guarda uma escultura. Alguns dias depois, no Leblon, Maria Clara Gueiros me aponta um jovem de bermudas passeando e me diz: Aquele é o Charles Möeller. Foi assim que entrei em contato com o Charles e pedi a permissão para gravar “AVQ”. Sempre muito gentil, Charles disse que sim, e me propôs algo muito mais ousado. Gravar o Making of da peça que eles começavam a preparar: “O Despertar da Primavera”. Como assim, Making Of?

-É, disse ele, você filma todo o processo. Desde a escolha dos atores, a preparação das cenas, os ensaios da orquestra, ensaios de vozes, cenário, figurino, enfim, Making of, o que você acha?

Fiquei empolgadíssimo. Imagina só: eternizar o som, a luz, a peça, mas muito mais do que isso. O PROCESSO. Presenciar e registrar o nascimento e a transformação de uma ideia, de um texto, num espetáculo concreto e grandioso, em DOIS MESES. Seguir passo a passo a busca do personagem pelo ator, a busca da cena pelo diretor. Assistir à criação de um mundo novo, mais verdadeiro do que o real.

Assim começou meu trabalho de Making Of das peças de Möeller e Botelho. Hoje, filmando “Como Vencer na Vida Sem Fazer Força” peça com meu filho Gregório, ao lado do gênio de Luíz Fernando Guimarães e um elenco de feras, minha filha Bárbara já assistente de Charles, me dou conta de que já estou no décimo Making Of.

Me admiro como da primeira vez, quando vejo as cenas se tornarem pouco a pouco realidade. Me admiro com a generosidade dos atores e dos diretores, de se deixarem filmar sem maquiagem, sem preparação, sem estarem armados e prontos, sem saber ainda o papel, sem saber a música, a coreografia, abrindo essa porta sempre escondida, para o público que quiser ver. Quando eu estou desenhando ou compondo, não gosto que ninguém fique perto assistindo. Só quero mostrar o trabalho pronto. Quando vejo uma foto minha (quase sempre feio, mal ajambrado, deselegante) não quero que ninguém veja. Me dou conta que não sou generoso.

Então, escrevo esse texto para agradecer ao Charles, ao Claudio, à Tina, à equipe de criação, técnica, a todos os atores, e a todo mundo que me suporta filmando o tempo todo, o nascimento do espetáculo, impotentes como um neném que se deixa filmar, na barriga de sua mãe, pelo médico ultrasonografista.

 

Por Edgar Duvivier.