Desafio Shakespereano!

Carol Lobato assina figurinos de 'Kiss, me Kate - O Beijo da Megera' com apenas um mês de trabalho

Carol Lobato assina figurinos de ‘Kiss, me Kate – O Beijo da Megera’ com apenas um mês de trabalho

      Uma superprodução musical com elenco de 22 atores e mais de 80 figurinos de duas épocas completamente diferentes (1600 e década de 1940/50) a serem feitos em… um mês!

    Este foi o desafio de Carol Lobato, que assinou os figurinos de “Kiss me, Kate – O Beijo da Megera”, musical de Charles Möeller & Claudio Botelho, em cartaz no Teatro Bradesco Rio. 

    O trabalho marcou a estreia de Carol como figurinista titular em musicais da dupla. Antes, ela havia participado de vários espetáculos como figurinista assistente de Marcelo Pies.

Nesta entrevista ao Site Möeller & Botelho, Carol conta como foi participar de um trabalho tão grandioso, que une Shakespeare e Cole Porter no mesmo palco! 

José Mayer, Carol Lobato e Charles Möeller nos bastidores de ‘Kiss me, Kate – O Beijo da Megera’



Site Möeller & Botelho: Como você recebeu o convite de Charles e Claudio para assinar os figurinos de Kiss, me Kate – O Beijo da Megera?  
 
Carol Lobato: Eu fui pega de surpresa! Eu estava fazendo um comercial em São Paulo e a Tininha (Tina Salles, coordenadora artística da Möeller & Botelho) e o Charles me ligaram fazendo o convite. Eu fiquei muito feliz e emocionada. Mas a Tininha logo me disse: “Só tem uma coisa: temos apenas 5 semanas para fazer tudo!” Eu respondi sem pensar: “Ok, vam´bora”, sem ter ainda a real noção do tamanho do trabalho! Já conhecia a obra, mas quando li o texto e decupei as cenas, vi a proporção que a peça tinha! Eu ainda estava em São Paulo, no meio de uma gravação de um grande comercial. Não tinha como parar e também não tinha como desistir! Terminei o comercial e assim, só tive mesmo um mês para fazer tudo.


Reunião com Charles Möeller  (Foto | Leo Ladeira)


MB: E como foi o processo de trabalho nesse tempo tão curto?

CL: Quando voltei de São Paulo, tivemos um encontro com a equipe toda artística, a produção, os atores, Charles e Claudio. Logo depois contratei minha equipe. Foram quatro ateliês de costura com mais de cinco costureiras por ateliê trabalhando simultaneamente e duas assistentes, a Joana Parente e a Marianna Mugnaini, que foram incríveis.  
 
Já o meu processo de criação foi um pouquinho diferente nessa peça. Geralmente, eu desenho e depois acho os tecidos e materiais que se encaixam nos croquis. Uma das características do meu trabalho é fazer com o que a roupa fique exatamente igual ao croqui, para que o diretor confie no croqui que ele está vendo. Como eu tinha pouquíssimo tempo no ‘Kiss me, Kate’ para procurar o tecido exato do croqui, resolvi fazer o trabalho inverso. Busquei os tecidos pra me inspirar e fui montando os vestidos só depois do material todo comprado. O Charles até então não tinha visto nenhum croqui pronto das cenas da Megera Domada e isso demonstrou um fator de confiança no meu trabalho. 
 
O Charles entende de figurino. Ele é figurinista, ele é cenógrafo, ele é tudo!! Ele sabe se colocar no lugar de cada um ali e por isso também que ele é um ótimo diretor! E se ele falar ‘não’, é porque ele entende mais que eu! (risos)  Quando eu cheguei com as roupas prontas, ele amou! Ufa!

“A minha função é fazer com que o ator se sinta muito confortável 
pra que ele possa exercer seu ofício”  


José Mayer e Carol Lobato (Foto | Leo Ladeira)


MB: Como foi trabalhar com o José Mayer?

 
 CL: Eu já tinha trabalhado com o Zé no Violinista no Telhado e já sabia que ele é muito exigente! Ele adorou o figurino, mas quando eu entreguei a capa para ele, ele não gostou. Tentou usar no ensaio algumas vezes, mas um dia disse: “Essa capa tá pesada, ela me prende!”. Era uma capa exatamente como era na época (1600 / Shakespeare) de veludo e realmente pesada. Fui então estudar vários tipos de capas e resolvi fazer uma leve, comprida, que desse para ele se movimentar. Quando levei a capa nova para o ensaio, vi como uma simples peça de roupa realmente pode transformar o ator em cena! Ele jogava a capa pro ombro, pra cima, batia na mesa com a capa, se divertia! O Zé amou a capa nova: “É isso! Como que você chegou nisso? Respondi: “Bem, estudando!” (risos). 
  A minha função é fazer com que o ator se sinta muito confortável para que ele possa exercer seu ofício. Porém, o ator também tem que saber usar bem um figurino. Não adianta eu dar uma capa para um ator e ele não saber usa-la. Infelizmente, nas escolas de teatro brasileiras não existe a matéria figurino. Deveria existir alguma sobre modos e modas. Não são todas as atrizes que sabem se comportar com saias longas, chapéus, espartilhos. Alguns atores não sabem nem como abotoar um paletó de terno ou a altura certa da calça social. Claro que eles não têm que saber tudo de moda, mas pelo menos sair com o básico da universidade eles deveriam. São detalhes que os atores acham que atrapalham na desenvoltura deles no palco mas deveriam saber que muitas vezes, assim como a capa do Zé Mayer, só ajudam.


Os figurinos dos gângsters de Chico Caruso e Will Anderson são um dos destaques do espetáculo. As listras e cores são vistas nas duas épocas da peça. Como o tecido não foi encontrado, os figurinos com listras foram feitos pela própria Carol e suas assistentes  (Fotos de cena: Leo Aversa)


MB: Nos mais de 80 figurinos do espetáculo quais você destaca? 
 
CL: Os dos gangsters (Chico Caruso e Will Anderson) eu gosto muito. Eles têm cores diferentes: azul e mostarda, e quando os gangsters vão para a ‘Megera Domada’ eles mantêm o listrado e os tons. 
O figurino deles foi um caso a parte. Tinha uma ideia na cabeça e eu não achava os tecidos em lugar nenhum! Queria um listrado diferente, mais largo imitando o garrafeiro. Como não achamos nada parecido no comércio, pensei em mandar fazer a pintura a mão. Isso sairia muito caro e pelo tempo curto, o fornecedor também não teria tempo pra fazer. Convoquei a Joana e a Marianna e falei: “Vamos fazer nós mesmas!” Elas entraram em desespero, quiseram fugir mas até que pintar os 10 metros de tecido foi mais rápido do que imaginávamos e foi até gostoso de fazer! Não foi, meninas? (risos) 
    Outro figurino bacana é o do Jitman Vibranovski, o Batista, onde eu dei uma exagerada. Eu não podia dar uma exagerada em todos senão perderia a mão mas o dele eu caprichei no exagero! 
    

Já os figurinos da Alessandra Verney (à esquerda) tinham que ser bem chiques, pois a personagem dela fala: “Mas eu só uso Dior!” Eu tenho uma coleção de chapéus no meu acervo pessoal. É um xodó meu que está lá em cena. Me inspirei bem nos looks de Dior para os figurinos dela, mas desenhei para a Verney uma saia-calça preta de cintura alta bem diferente dos looks do Dior dos anos 50. Não usei o New Look, que trazia de volta a feminilidade que a mulher tinha perdido um pouco com a Segunda Guerra, porque queria que a Lilli Vanessi se mostrasse mais forte, decidida e independente como podemos ver nas fotos da Marlene Dietrich. Essa calça as pessoas amam e querem que eu mande fazer para elas! Uma loucura! Estou até pensando em abrir uma loja! (risos)

   Também sou apaixonada por todos os figurinos da Fabi Bang. A primeira coisa que ela me falou que queria era brilho! E assim ela brilha no palco. Aliás, não só o figurino né?! A Fabi está demais!
    As meninas do elenco também ficaram ótimas e adoraram o figurino! Só se incomodam um pouco com o espartilho, mas ai não tem jeito… a culpa é da época! (risos) A filha da Lana (Rhodes) fez até um desenho da mãe vestida com o figurino, que para ela, era de princesa!


MB: Então apesar de toda a correria e do tempo curto, deu tudo certo e você ficou feliz…
 
CL: Sim!  Com exceção da Fabi e do Chico, eu já tinha trabalhado com todo o elenco. Quando você trabalha com a Möeller & Botelho e é agregado à família, quando se é adotado por eles, você trabalha com amor! Vira uma diversão! Claro, com muita responsabilidade.


Na estreia de ‘Gypsy’, primeiro trabalho de Carol Lobato para a dupla Möeller & Botelho (Foto | Leo Ladeira). 


MB: Como se deu a transição de assistente de figurino para figurinista? 

CL: Essa transição já se dava gradativamente enquanto eu ainda era assistente do Marcelo Pies. Assinei em 2011, ‘K – Uma Leitura d’o Castelo’ e ‘A Dança de Feliciano’, espetáculos teatrais com direção do Moacyr Góes. Assinava também vários curtas-metragens que participavam de festivais no mundo todo e ganhei alguns prêmios com eles. Mas minha estreia como figurinista de musicais se deu em 2012 no musical ‘A Princesinha’, em Campos do Jordão com direção de Thiago Gimenes, e com Fafy Siqueira, Mara Carvalho, Tania Mara e mais de 150 crianças no elenco. Foi um grande espetáculo e ali aprendi muito.
  Em 2013, o diretor João Fonseca pediu indicação de figurinista ao Charles Möeller para fazer ‘Cazuza – Pro dia Nascer Feliz’. Charles me indicou, sem meu conhecimento ou pedido, claro. Foi uma grande surpresa e fiquei muito emocionada. Um tempo depois ele me contou que tinha se encantado com o figurino do Show da Gottsha, ‘Discoteque’, para o qual eu tinha assinado o figurino. Acredito que ali e com os mais de 10 espetáculos que eu tinha feito como figurinista assistente do Pies dentro da M&B deram a ele a base para a minha indicação ao João. Para esse trabalho também contei com as indicações da Paula Sandroni e o Nello Marrese, amigos queridos e de longa data. A esses três e ao João Fonseca eu realmente devo a minha carreira nos musicais. Depois vieram os musicais ‘O Grande Circo Místico’, ‘O Pequeno Zacarias’, ‘Bilac Vê Estrelas’, que também me deram muitas alegrias e indicações a prêmios… E finalmente esse ano, o Charles, Claudio e Tininha me convidaram para o ‘Kiss me, Kate – O Beijo da Megera’, minha estreia como figurinista num grande musical M&B. 
  Ter trabalhado com o Marcelo Pies foi essencial e primordial para minha carreira. Foram seis anos de aprendizado no teatro e no cinema. Um verdadeiro mestre a quem eu devo toda reverência. Mas sem o empurrão e confiança do Charles Möeller eu não sairia do ninho! A ele eu devo a minha gratidão. E por isso, agora sim eu consigo voar sozinha.  
 
 
Entrevista a Leo Ladeira – Site Möeller & Botelho. 

Veja abaixo, na galeria, mais fotos do trabalho de Carol Lobato em “Kiss me, Kate – O Beijo da Megera”: