Críticas de “Milton Nascimento – Nada Será Como Antes – O Musical”

Confira aqui as principais críticas para Milton Nascimento - Nada Será Como Antes - O Musical (2012), com direção de Möeller & Botelho

Confira aqui as principais críticas para Milton Nascimento – Nada Será Como Antes – O Musical (2012), com direção de Möeller & Botelho


Excelente coral de individualidades sonoras celebram um repertório
21/08/2012 
[Macksen Luiz]

O modelo é o bem sucedido Beatles Num Céu de Diamantes, que a dupla Claudio Botelho e Charles Möeller estreou há seis anos, inaugurando estilo de encenar repertório musical. Naquela sequência de canções do grupo inglês, sem recorrer a uma única palavra, a não ser das letras, se percorriam as músicas com leve toque de interpretação (no sentido dramático) em encadeamento cênico marcado, unicamente, pelo roteiro musical. Em Milton Nascimento – Nada Será Como Antes em cartaz no Theatro Net Rio a fórmula se repete com a roteirização da obra do compositor revivida como construção teatral que se aproxima de Milton em laboriosa costura. Dividida em estações do ano, a montagem reúne na primavera canções de uma certa evasão poética (Cigarra, Um Girassol da Cor dos seus Cabelos, O Trem Azul, Nuvem Cigana, Clube da Esquina). No verão, sons solares se misturam a algumas sombras quentes (Aqui É O País do Futebol, Bola de Meia, Bola de Gude, Maria, Maria, Caicó Cantiga). No outono, se ouve o declínio das esperanças num país silenciado (Saudades dos Aviões da Panair, Encontros e Despedidas, Canção da América, Fé Cega, Faca Amolada). No inverno, vozes procuram quebrar o silêncio (Oração, Credo, San Vicente, Sentinela, Menino). Essas categorias climáticas servem, à perfeição, para abranger os momentos da música de Milton Nascimento e da poética de seus parceiros – Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Lô Borges, Márcio Borges. A passagem do tempo, partindo dos anos 70, se fixa no percurso paralelo em que as criações dialogam com as fraturas de vivência coletiva. Sem a obviedade da citação, Botelho e Möeller contam, não somente sobre uma obra, mas como esta obra surgiu e a força de sua permanência. A música e as letras conduzem a lembranças, para os mais velhos, e à inteireza e a revelação do repertório, para os mais jovens. Ao cercar de tanto cuidado na abordagem, ordenamento e seleção deste formato de musical, a dupla o estende aos demais planos da cena. O cenário de Rogério Falcão, que lembra sobrado de cidade histórica mineira, com esboço de papel de parede antigo e elementos (lustre, móbile, biombo, móveis) que mudam a cada estação, estabelece visual sugestivo e agradável. O pequeno trem de madeira no proscênio, acrescenta mais um toque de mineiridade à ambientação. Apenas o figurino fica aquém do traço evocativo. É tão somente ilustrativo e pouco inventivo. Mas o maior destaque de Nada Será como Antes está na força musical, seja na direção de Claudio Botelho, nos excelentes arranjos e orquestração de Délia Fischer, nos ótimos arranjos vocais de Jules Vandystad e nos atores-músicos – Cássia Raquel, Claudo Lins, Délia Fischer, Estrela Blanco, Jonas Hammar, Jules Vandystadt, Lui Coimbra, Marya Bravo, Pedro Aune, Pedro Sol, Sérgio Dalcin, Tatih Köhler, Whatson Cardozo e Wladimir Pinheiro. A alta qualidade e sofisticação técnica que envolvem essa equipe com domínio instrumental e vocal de alto nível projeta com sensibilidade e competência as nuances de repertório bastante conhecido. Canções com marcante interpretação e arranjos originais e com os quais Milton consolidou sua carreira, ganham ar renovado, mas sem retirar-lhes o sopro poético e a riqueza melódica. São recriadas e revigoradas, e em várias delas, até valorizadas. O elenco, de impecáveis vozes e viva presença, deve ser destacado como um todo. Não há como ressaltar nomes, quando o conjunto se integra tão harmoniosamente como um coral de precisas individualidades sonoras.

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Musical expõe grandeza fraterna de Milton ao teatralizar a obra do artista
20/08/2012 
[Mauro Ferreira | Blog Notas Musicais]

É sintomático que, antes do gran finale com a música de 1972 que lhe dá título, o espetáculo Milton Nascimento – Nada Será Como Antes, junte as vozes de seu afinado elenco no tema Que Bom Amigo (Milton Nascimento, 1995). Esta música pouco ouvida da obra do compositor se irmana com a Canção Amiga (Milton Nascimento e Carlos Drummond de Andrade, 1978 / 1982), entoada pela voz imponente de Estrela Blanco na abertura do primeiro dos quatro quadros deste musical em que Charles Möeller e Claudio Botelho expõem a grandeza fraternal da obra de Milton ao teatralizar a parte mais expressiva do cancioneiro deste carioca de alma mineira. Em que pese a singularidade de sua arquitetura, o repertório autoral de Milton é movido por um espírito gregário que o espetáculo capta e repagina com o requinte habitual dos musicais da dupla Möeller & Botelho. Idealizado nos moldes de Beatles num Céu de Diamantes, musical de 2008 ainda em cena neste ano de 2012, Nada Será Como Antes abre mão de qualquer texto para que a música de Milton Nascimento fale por si só. E essa obra monumental fala alto aos corações. O espetáculo emociona sobretudo porque, acima dos recursos cênicos (simples e eficientes) e do brilho individual de algumas vozes, paira a força da música de Milton, enraizada na memória nacional. Tributo aos 50 anos de carreira do compositor, o musical ambienta as 42 canções do roteiro na casa que lhe serve de belo cenário (de Rogério Falcão) e que acentua o tom acolhedor da obra de Milton ao aclimatá-la em quatro estações. E, em qualquer estação, a música de Milton Nascimento resulta sedutora sob as orquestrações da pianista Délia Fischer. Na primeira, Primavera, o canto de Tatih Köhler faz florescer a delicadeza terna de Cigarra (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1978) enquanto Claudio Lins esboça registro viril enquanto encara Bicho Homem (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1980) no toque dos tambores de Minas. Mas o número mais inventivo é o medley que entrelaça Nos Bailes da Vida (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1978) com músicas do antológico álbum Clube da Esquina (1972) como Um Girassol da Cor do Seu Cabelo (Lô Borges e Márcio Borges), O Trem Azul (Lô Borges e Ronaldo Bastos), e Nuvem Cigana (Lô Borges e Ronaldo Bastos). Como os sonhos, as música desse álbum jamais envelhecem. E uma delas – Clube da Esquina 2 (Milton Nascimento, Lô Borges e Márcio Borges), gravada no disco duplo de 1972 e não no segundo volume de 1978, como faz supor seu título –  tem sua beleza melódica e poética exposta em cena na voz de Délia Fischer. Segunda estação no tempo cênico do musical, o Verão aquecido pelo calor da percussão que não nega a raça de Raça (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976) é o mesmo que faz brotar o suor do trabalho que escorre em Maria Maria (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976) – no canto valente de Marya Bravo – e na saga sociológica contida nos versos de Morro Velho (Milton Nascimento, 1966) e encenada com precisão sob a condução da bela voz de Wladimir Pinheiro. Verão que pode ser também o tempo de discussões acaloradas em frente à televisão sobre os lances dos craques, paixão que move Aqui É o País do Futebol (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1970). Em qualquer estação, é tempo de amar. Na abertura do Outono, Paula e Bebeto (Milton Nascimento e Caetano Veloso, 1975) sinaliza – através dos olhares afetivos dos três casais que interpretam o tema – que qualquer maneira de amar vale a pena. Saudade dos Aviões da Panair (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) destila a nostalgia dos tempos em que não se tinha medo deles que “nem deixam ver a moça e nem ver nascer a flor” – eles, sujeitos ocultos atrás das metáforas de Milagre dos Peixes (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1973), solo de Tatih Köeler. Se Marya Bravo se joga com toda sua força vocal em Cais (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1972), Claudio Lins enfrenta Caçador de Mim (Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, 1980) sem expor toda a bravura do tema que o 14 Bis lançou em 1980 e que Milton Nascimentou tomou para si no ano seguinte. Da mesma forma, Ponta de Areia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1974) perde um pouco da força épica na interpretação das mulheres do elenco. Melhor resultado tem Encontros e Despedidas (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1981), número em que o dueto de Délia Fischer com Jules Vandystadt se desenvolve enquanto o elenco retrata com gestos e olhares os sentimentos recorrentes nas plataformas dessa estação, a vida. No Inverno, aparece a fé cega de Milton em Deus, na música, na vida e num mundo melhor. É a voz divina do cantor que abre o quadro recitando versos de Oração (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1976). Com guitarra e boné que evoca a figura guerrilheira do cubano Che Guevara (1928 – 1967), Pedro Sol ilumina Para Lennon & McCartney (Lô Borges, Márcio Borges e Fernando Brant, 1970), música que lembra que as esquinas mineiras sempre desembocaram nas ruas de Liverpool.  Mas o número de maior impacto do Inverno – e do próprio espetáculo como um todo – é o medley de tom sacro em que as vozes de Cássia Raquel e Wladimir Pinheiro ritualizam a morte ao entrelaçar Canto Latino (Milton Nascimento e Ruy Guerra, 1970), Sentinela (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1969) e Menino (Milton Nascimento e Ronaldo Bastos, 1976). Cássia, a propósito, já mostrara a potência de sua linda voz ao fim do Verão, quando entoa a folclórica Cantiga (Caiacó) (Heitor Villa-Lobos, Teca Calazans e Milton Nascimento, 1980) com o reforço do coro do elenco. No fim, findas as quatro estações, Pedro Sol e Estrela Blanco encarnam com desenvoltura o casal paz & amor de Amor de Índio (1978) – parceria de Beto Guedes com Ronaldo Bastos, e não de Milton com Bastos, como creditado erroneamente no programa do espetáculo – e Claudio Lins solta a voz em Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant, 1967), marco inicial da estrada já cinquentenária, pavimentada por Milton Nascimento com uma das músicas mais ricas e belas do mundo. Obra que mistura a dor e a alegria e que – ora revisitada no seu período áureo por Möeller & Botelho em musical emocionante – explode em som, cor e suor na cena fraterna deste espetáculo para se guardar no lado esquerdo do peito.

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Nada será como antes para Milton Nascimento
13/08/2012 
[Ronald Villardo | O Globo]

Há dois dias um leitor me escurraçou só porque eu disse no Rio Show da última sexta-feira que Elis Regina era “a única cantora brasileira” que me emocionava. Ele agora vai ficar mais fulo ainda da vida, porque entre os homens, Milton Nascimento é o único cantor brasileiro capaz de me dar arrepios nas canelas. Nunca vi isso, mas é o que acontece. E não é que no último sábado, enquanto ouvia as obras-primas de Milton no palco de “Nada será como antes”, em cartaz no Teatro Net, ao olhar para trás para visualizar o teatro aplaudindo o fim da festa, vi justamente um par de olhos esbugalhados e cabelo de Naomi que me pareciam familiares… oh, wait! Era ele, Milton em carne, osso e lágrimas!

Ao final do espetáculo assinado pela dupla Charles Möeller e Claudio Botelho eu só conseguia pensar, emocionado, onde vou arranjar tempo para catar toda a discografia de Milton e preencher as (poucas) lacunas que ficaram para a total compreensão de um musical tão bonito. Foi ótimo ver Milton com olhos cheios de lágrimas, como eu, e com um ponto de interrogação na testa. Não sei o que o dele queria dizer mas a mensagem do meu era “de onde essas pessoas tiram tanto carinho com o teatro?”

Falo da dupla mesmo, que abandonou a parceria de um realizador potente como Luis Calainho para uma empresa que acabou de se erguer como parceiros captadores, e ainda assim conseguem tirar dinheiro do próprio bolso para montar um show como aquele. São dezenas de músicas de Milton, com arranjos vocais emocionantes de Jules Vandystadt (acho que é assim que se escreve), ele mesmo um dos integrantes do belíssimo elenco, e não falo apenas de belezas físicas. Não vou olhar a ficha técnica de propósito, para não perder o fluxo de consciência e brincar de Jack Kerouac, se Jack usasse pontos, e por causa disso não saberei o nome de quase ator algum mas ainda assim continuarei falando da emoção do número de uma deusa loura que volita no palco com seios à mostra, cantando perfume; de Claudio Lins rascante, dizendo que “Bicho homem precisa cantar”; do guitarrista; do “amigo” que se despede aos suspiros na estação; da potência vocal da cantora de “Maria, Maria”; da dupla de cantores negros que se emparelham às  altas castas do jazz mundial e de tantos outros momentos. Em cada um dos quadros, uma história, com um cenário de Rogério Falcão totalmente reorganizado criando verdadeiros videoclipes. Dezenas deles, construídos com os mesmos objetos de cena, de maneira ofensivamente simples para quem já trabalhou com tantas superproduções (como o time inteiro deste espetáculo), e ainda assim, desrespeitosamente criativa.

Brincadeira de Kerouac finda, (como sou atrevido, não?) volto ao momento final do espetáculo, quando a imagem de um emocionado Milton me respondeu a pergunta que me atormentou o musical inteiro: “Como será que se sente um compositor, aos 70, ao ver seu trabalho reverenciado desta maneira tão sensível?”

DAQUELE JEITO.

E quanto aos diretores que nós, cariocas amantes de musicais e de teatro, acompanhamos há tanto tempo, vai um agradecimento por nos lembrar dos tempos em que naquele mesmo shopping dos antiquários, há sei la quantos anos (não me lembrem, por favor) vi espetáculos tão simples como “Cole Porter”, em que a única coisa por trás era o talento, a criatividade, a vontade de fazer no matter what, mesmo que o cenário ao redor somente apontasse um caminho, o da TV, do cinema, dos conchavos e das amizades de ocasião. Ir na contramão é uma decisão difícil e corajosa. Que bom que eles a tomaram, mais uma vez. Nada será como antes.

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Um Espetáculo Inteligente e Original
21/09/2012 
[João Máximo | O Globo]

‘Milton Nascimento: nada será como antes — O musical”, de Cláudio Botelho e Charles Möeller, é um espetáculo inteligente. Original, também. Não conta uma história, não tem diálogos, não se propõe a dizer quem é o artista em pauta, cujo nome sequer é mencionado em 90 minutos de duração. Nesse sentido, não é um musical, como os autores o classificam (eles que são os principais realizadores de musicais nos palcos do Brasil). Também não é uma revista, muito menos um show. Até que se encontre o rótulo adequado, fica sendo apenas isso: um espetáculo em que as canções são o enredo, a ação, a performance, a razão de ser, tudo.

Já foi dito que, na voz de Milton Nascimento, cabe um Brasil inteiro. As mais de 40 canções — dispostas em quatro quadros representando as estações do ano — dão a impressão de que boa parte do Brasil também cabe no que ele canta há meio século: o interior e a cidade grande, o sertão e a selva, a estrada e o porto, a mata e o mar, presentes tanto nas letras dos parceiros (Fernando Brant, em especial), quanto nas músicas, de Milton ou de outros.

Interpretando essas canções, está um elenco de primeira. Quatorze jovens movimentam-se pelo palco quase sem pausa entre um número e outro. Botelho e Möeller escolheram, para reverenciar Milton, o formato usado pelo americano John Doyle em algumas de suas remontagens na Broadway: todos cantam, todos tocam, funcionando, ao mesmo tempo, como um coro perfeito (arranjado e dirigido por Jules Vandystadt) e uma orquestra em movimento (arranjada e dirigida por Delia Fischer). Tudo no lugar certo.

A harmonia do grupo é tanta — e a identificação dos outros compositores com a arte de Milton Nascimento é de tal ordem — que, a se cometer o pecado de destacar uma canção ou uma voz, valeria citar, como exemplo do que é o espetáculo, o momento em que Cássia Raquel sola a cantiga “Caicó”, apoiada por todo o coro. Nele, Heitor Villa-Lobos e Milton soam como um artista só.

Outros destaques: o medley “Nos bailes da vida”, as canções sobre futebol que abrem o Verão, “Maria Maria”, “Caçador de mim” (de Sérgio Magrão e Luiz Carlos Sá, mas como se de Milton fosse), “Cais”, “Ponta de Areia”, “Coração de estudante”, a vibrante intervenção roqueira de Pedro Sol, o medley com que Cássia e Wladimir Pinheiro fecham o Inverno e, já no finale, a canção-título.

“Meu canto quer ser menino, quer ser palhaço, quer ser Brasil”, diz Milton Nascimento numa das canções. O espetáculo, em cartaz de sexta a domingo, no Teatro Net Rio, reafirma que ele e seu canto realmente são o que pretendiam ser.

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