Clássico da Broadway, ‘Pippin’ ganha montagem de Charles Möeller e Claudio Botelho

Trama espelha angústia de millennials e 'jovens' de todas as idades

O Globo – por Luiz Felipe Reis
03/08/2018

Num mundo que vende e cobra alto, sobretudo dos jovens, por fórmulas de se alcançar o prazer, a felicidade, a fama, a eficiência e a certeza de uma vida bem-sucedida, a dupla Charles Möeller e Claudio Botelho encontrou em “Pippin” o meio de acessar as angústias de millennials e “jovens” de todas as idades em busca de algum sentido que baste. Mas o que Pippin, o personagem-título, encontra não é bem um destino apaziguador, mas sim a inquietação da vida como ela é: travessia de esperança e abismo, onde o horizonte nunca é exatamente encontrado, mas é aquilo que nos leva a seguir adiante.

Seu protagonista, portanto, é o avesso do herói pleno, e, sim, um jovem anti-herói jogado no turbilhão da vida. Interpretado por Felipe de Carolis, Pippin se lança em buscas, se mete em batalhas, resvala no amor, e avança inseguro, entre idas e vindas, movido por sede de experiências, abatido por certas frustrações, mas sempre animado pela sua avó (Nicette Bruno) a seguir o caminho, mirando algo de extraordinário.

Escrito por Stephen Schwartz logo após o sucesso de seu “Godspell”, “Pippin” estreou em 1972 na Broadway, marcou uma geração e colecionou prêmios, entre eles cinco Tony: ator, cenografia, iluminação, além de direção e coreografia para o mito Bob Fosse. Com uma estrutura coreográfica, dramatúrgica e musical com boas doses de ousadia para a época, aposta na metalinguagem, no teatro dentro do teatro, para que uma trupe narre a saga existencial de um príncipe, herdeiro do trono do Rei Carlos Magno (Jonas Bloch).

— Pippin é um personagem que possibilita uma identificação imediata com os jovens de hoje, que estão nessa busca por extremos. — diz Möeller. — O musical fala muito sobre a decisão entre enfrentar um mundo real ou permanecer em um de aparências ou de magia. É um tema muito atual, em tempos de redes sociais e realidades falseadas.

Quando “Pippin” estreou no Imperial Theatre, em outubro de 1972, a Nova York da época era o terror: terra de ratos e ratazanas do crime organizado, e considerada uma das capitais mais perigosas do mundo. Entre suas ruas, vagavam junkies, traficantes e uma legião de jovens desajustados, perdidos no rescaldo do movimento hippie e no desencanto com a Guerra do Vietnã. A busca de algum sentido em meio ao caos foi o que tornou Pippin espelho dos jovens da época, e é de olho nessa identificação que os criadores brasileiros apostam. Afinal, num mundo pleno de incertezas com o de hoje, Pippin é o anti-herói perfeito:

— Não é um herói focado, cheio de certezas, é um garoto cheio de dúvidas — diz Felipe de Carolis, que estreou com a dupla em 2009, em “O despertar da primavera”. — O Pippin está em busca de experiências, tentando alcançar o que julga ser ideal, mas ele não sabe o que quer. Há uma busca meio extremada por liberdade, por preenchimento, que a gente vê muito entre os millennials. Isso me preocupa, porque é a geração que mais se suicida. Então o musical mostra o caminho desse personagem que não se realiza, e que faz pensar sobre questões dos jovens de hoje. Sinto que tenho um grito a dar com essa peça. De que a vida não está nesse 100% de felicidade aparente que as pessoas buscam. Está tudo bem não ser 100% satisfeito.

‘ANTÍTESE DOS PERSONAGENS DE MUSICAL’

Nesse sentido, Möeller acredita que trata-se de um musical “com muito mais substância e camadas do que se imagina”, diz.

— É um protagonista contemporâneo, jovem, tomado por desejos e dúvidas, e com um vazio existencial que jamais será preenchido — diz o diretor. — Ele representa os filhos da geração que voltou da 2ª Guerra, jovens que não achavam graça de absolutamente nada. Viviam o vazio, apáticos diante da Guerra, da violência urbana. Pippin reage a isso. Tenta viver o extraordinário, mas nada o preenche. Ele é a antítese dos personagens de musical, que sempre se descobrem num happy end. Aqui não tem happy end. Mas o musical mostra que o vazio também é necessário. É preciso se colocar à deriva. Não se pode estar sempre preenchido. Então é um personagem que entra em cena com milhares de dúvidas e que vai embora com suas dúvidas, mas sabendo que elas são importantes, necessárias.

Em cena, a saga de Pippin é apresentada por uma Mestra de Cerimônias (Totia Meireles), a líder de uma trupe teatral que, dentro do musical, encena a história de um príncipe (Pippin) que é rejeitado e esnobado pelo pai. Apesar do drama do protagonista, “Pippin” se desenvolve como uma comédia cínica, que além do vazio existencial do protagonista, espelha um mundo entre guerras, marcado pela violência.

— Em “Pippin” fala-se muito da guerra, de violência, mas com muita ironia e escárnio — diz Claudio. — Acho que a montagem ocorrida no Brasil, em 1974, passou batida, no meio da ditadura, porque não pegaram a mensagem. E agora novamente essa obra volta a fazer todo sentido. Estamos vivendo um momento muito parecido com aquele dos anos 1970. Como o mundo é muito circular e as coisas retornam, a gente vive hoje um momento em que há guerras em andamento no mundo, outras prestes a explodir, um retorno da monocracia, com presidentes que se comportam como líderes absolutistas, como Trump, nacionalismos e protecionismos crescendo, assim como o embate entre o povo e esses novos monarcas autoritários. Então a peça, para além das questões do Pippin, também discute poder e política, evidencia que, muitas vezes, aqueles que buscam o poder não sabem o que fazer com ele quando assumem seus tronos.

“Pippin”
Onde: Teatro Clara Nunes — Rua Marquês de São Vicente, 52 (2274-9696).
Quando: Estreia sexta (3/8). Qui., às 17h; sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h30m. Até 21/10.
Quanto: De R$ 50 a R$ 120.
Classificação: 12 anos.