Ás Na Manga: No Rio, “A Noviça Rebelde” é programão que traz Malu Rodrigues madura e Marcelo Serrado roubando cena!

Em cartaz na Cidade das Artes, o espetáculo musical capricha na montagem

Por Alexandre Schnabl

Uma década após a primeira montagem brasileira, Claudio Botelho e Charles Möeller trazem de volta ao Rio “A noviça rebelde” (The Sound of Music), depois de temporada de sucesso em São Paulo. Em cartaz na Cidade das Artes, o espetáculo musical capricha na montagem, com ótimos cenografia de David Harris, figurino de Simon Wells e iluminação de Drika Matheus numa realização grandiosa, cuja história de Howard Lindsay e Russel Crouse e as músicas de Rodgers & Hammerstein todo mundo conhece. Obviamente a presença do longa-metragem de 1965 no imaginário do público, enquanto uma das produções cinematográficas mais populares de Hollywood, é um dos maiores apelos para lotar a plateia.

Se deter, porém, a esse aspecto pouco contribui para uma análise sincera dessa eficiente produção, a começar pela inspirada versão das letras sob a batuta de Claudio Botelho. Não é de hoje que ele é conhecido pela maneira criativa com que verte as canções originais para o português, sabendo adaptar a essência de intenção das palavras com a sonoridade que respeita os ouvidos de que já conhece as músicas em inglês. Em “Noviça”, esse trabalho é um primor, a começar pelas associações que ele faz especialmente em hits como “My Favorite Things”, “The Lonely Goatherd” e “How to Solve a Problem Like Maria”.

Na pele da personagem-título, Malu Rodrigues vale cada nota musical que entoa pela potência, afinação e timbre, aliados a uma performance que mescla a doçura e o lado fogueteiro necessários à noviça que se apaixona pelo capitão viúvo e pai de sete filhos à véspera da invasão da Áustria pelos nazistas. Sua avassaladora presença cênica tem efeito semelhante àquele causado por Gal Gadot ano passado, quando conseguiu nas telas de cinema, ao incorporar a Mulher–Maravilha, que o público finalmente esquecesse Lynda Carter. Por maior que seja o talento, não é nada fácil encarnar Maria no palco quando a plateia tem na cabeça Julie Andrews. No caso deste musical, o espectador sempre vai ao teatro esperando ver alguém emulando a estrela, como esperaria encontrar Marilyn Monroe numa versão para o palco de “O pecado mora ao lado“. Malu, que já foi a filha mais velha Liesl na outra montagem, é danada: consegue agradar quem esperaria encontrar Julie reencarnada sem deixar de ser “Malu fazendo Maria”.

Como o Capitão Georg Von Trapp, Gabriel Braga Nunes consegue a outra façanha dessa montagem. Depois de os brasileiros terem se encantado com Herson Capri vivendo o personagem há dez anos, numa impressionante atuação que, além do talento e carisma, ainda se valia do physique du rôle que o aproximava de Christopher Plummer, Gabriel – que não seria a primeira pessoa na cabeça do público a ser escalada para esse papel igualmente icônico, mas que, por um conjunto de características que incluem a aparência ariana abocanhou Von Trapp –, consegue imprimir uma dimensão que extrapola o viúvo rígido que enrustiu após a perda da esposa. Para isso, ele carrega um pouco mais nas tintas que seriam necessárias a um militar de carreira que viu a grandeza do Império Austro-Húngaro se esfacelar com a 1ª Guerra para agora ser a testemunha daquilo que sobrou dele (a Áustria) sucumbir ao nazismo. A escolha por enfatizar esse aspecto de Von Trapp, aliado ao fogo que o ator traz no olhar para mostrar-se aviltado, é um senhor acerto, já que ele costuma flanar muito bem em interpretações que tangenciam a indignação.

Tarimbada, Alessandra Verney dá conta do recado como a Baronesa Elsa Schraeder, que pretende fisgar o Capitão. Mas, como canta pouco dessa vez, o público habituê dos musicais pode ficar com saudade de vê-la abrir o gogó, como fez recentemente em outra produção de Möeller & Botelho, “Kiss me, Kate“. Fica um gostinho de quero mais. Por sua vez, é delicioso conferir Gottsha no papel da madre superiora. Vai se a surpreender ao constatar sua versatilidade quem se acostumou a vê-la em papeis mais babadeiros ou nos shows estilo anos 1970 nos quais ela abravana. Aliás, o coro das freiras continua sendo um ponto alto; seria injusto destacar uma ou outra. E, num personagem pequeno e antipático, o do colaboracionista nazista, o competente Ruben Gabira abrilhanta qualquer produção.

No entanto, quem rouba a cena é Marcelo Serrado. Como o amigo oportunista da família Max Detweiler, o astro brilha num caleidoscópio de nuances que podem esbarrar em outras experimentações suas, misturando traços que vão da gaiatice do Tonico Bastos de “Gabriela” aos trejeitos de “Crô“. Sua interpretação quase cartunesca faria bonito em qualquer comédia farseca de Blake Edwards, tipo “A pantera cor de rosa” ou “Victor ou Victoria“. Gostoso e pueril de se ver, como manda o figurino, mas num resultado refinado.

Mas, os adultos não são o único trunfo aqui: “A noviça rebelde” não pode prescindir de um grupo de crianças que mandem bem no canto e na atuação, e essa é parte do seu charme. Diga-se de passagem, não é nada fácil montar esse quebra-cabeça, a começar pelo casting. O resultado valeu, mesmo que para dar cabo da tarefa, algumas delas não sejam louras o suficiente como seria de esperar. Pouco importa: elas estão afinadíssimas, Charles Möeller soube tirar proveito das expressões faciais nos momentos em que elas precisam ser careteiras e nem é preciso falar da qualidade das marcações de cena de Alonso Barros num espetáculo cujo o forte é a música, e não as coreografias, mas no qual os desenhos de palco são fundamentais para imprimir a dinâmica.

Entre as crianças, a popstar Larissa Manoela – que já foi a caçula dos sete filhos, a pequena Gretl, há de anos – pode ser a responsável por renovar o público desse musical de repertório, que se beneficia da legião de fãs da estrela teen da TV. Ela funciona bem e não se acomoda à sua condição de celebridade, se ajustando à unidade do grupo, que ainda traz a filha da atriz Fernanda Rodrigues, Luisa Erlanger, como Marta, a segunda filha mais nova, ao lado de outros talentos mirins, como Duda Batista (Gretl) e Tiago Henrique, um Kurt capaz de uns agudos poderosíssimos.

 

Site Ás na Manga – 25/07/2018

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