Leia o artigo exclusivo que o diretor Charles Möeller escreveu sobre a experiência de ter ministrado, por dois meses, um curso de Teatro Musical na Casa de Artes de Laranjeiras (CAL), no Rio de Janeiro.
Charles fala de seu envolvimento com o grupo de alunos e com o ofício de dar aulas, além da ousada proposta de encenar “7 – O Musical”, não por acaso seu mais autoral espetáculo.
Confira abaixo:
“COMO UM FILHO QUE TORNA
COMO VELHOS AMIGOS
COMO A ÁGUA NO RIO
COMO TUDO NA VIDA…
ELE VAI VOLTAR
VAI VOLTAR, VAI…”
Há três anos vínhamos conversando com a CAL no intuito de fazer uma master class, um work shop ou uma palestra, enfim, ter uma conversa sobre os musicais, desmistificar o glamour, e mostrar que somos muito mais formigas operárias do que cigarras. Que trabalhamos de inverno a inverno para colocar 500 pessoas em média trabalhando consecutivamente em nossas produções. Já chegamos a ter sete espetáculos em cartaz no eixo BRASIL e até na EUROPA. Isso é revolução! Dar emprego e pagar bem os profissionais! Explicar pela milésima vez que não fazemos cópias, que não fazemos franquias e muito menos teatro americano, pois somos criadores BRASILEIROS! Fazemos musical composto e escrito por americanos e composto e escrito por brasileiros também, mas como criação nossa na sua totalidade. Nós fazemos Musical BRASILEIRO e não tem o que argumentar diante disso! Somos M&B, os que mais montaram musicais nacionais no país, pois fizemos 34 ao todo e somos todos brasileiros e com criadores brasileiros. Estamos há 23 anos lutando pela qualidade e acabamento nacional, e por isso mesmo somos reconhecidos lá fora. Foi assim que surgiu o convite de fazer ORFEU NEGRO na Broadway em 2014 e VAMOS fazer!
Só em cima do musical ainda existe esse preconceito, pois ninguém chama de ‘RUSSIZADOS’ quem monta Tchecov, né? È muito triste ter que lidar com o ufanismo fronteiriço dos que constroem muros de Berlim, Muralhas na China e Guetos de Varsóvia, pois tudo me soa igual! Com discursos que apenas encobrem seu fracasso pessoal!
Resisti muito ao curso. Eram dois meses, oito semanas – o mesmo período que ensaio uma peça. O Claudio fechou o curso sem me consultar. Seriam nossas únicas férias de dois meses após 10 anos emendando trabalhos. Minha primeira reação foi quase ter um AVC! Depois disse OK, vamos em frente! Me reuni com o genial amigo de fé e irmão camarada que foi meu braço direito e esquerdo nessa jornada: Marcelo Farias, num café, e propus três ideias pra ele. Marcelo, que é um expert em cursos, olhou as três e vi que seus olhos brilharam em uma ideia minha em especial, CLARO QUE A MAIS DIFÍCIL, A QUASE IMPOSSIVEL.
Como quase é a palavra que mais odeio da língua portuguesa, na hora embarquei, pois no fundo (e no raso) era essa a ideia que eu queria: fazer um processo real de montagem de ‘7 – O Musical’ em oito semanas! Quer dizer, seriam na verdade oito semanas com duas aulas semanais: 16 ensaios de quatro horas com audições comentadas e prática de montagem, além da discussão sobre meu método de trabalho!
Resumindo: quando vi, já era! Estava mergulhado naquele mundo de ensinar e como diria MASHA em “As Três Irmãs”, de Tchecov: TRABALHAR, TRABALHAR e TRABALHAR!
Falei tudo ou quase tudo que sei e ouvi o que não sabia. Foram dois meses que voaram e acreditem: MONTAMOS “7” completo, com alguns pequenos cortes e adaptações e com um elenco incrível!
Parecia que o ‘ELE VAI VOLTAR’ da canção da Amélia era um grito que a minha alma estava dando: As Amélias, Claras, Biancas da minha alma me pedindo pra voltar pro começo de tudo: Voltei! Fiz tudo, fizemos tudo: do visagismos às roupas, contamos com o esforço hercúleo de produção dos alunos de flores de luz, movie lights (acredita que tivemos oito deles), máquina de fumaça…
Resolvemos fazer fechado. Não era para os outros: era pra nós! O ego ficou de fora. Fomos às ultimas consequências para sair do nosso campo de proteção e nos jogarmos no abismo sem rede, e nos jogamos!
Na véspera estava tão entregue que fiquei absolutamente afônico. No ultimo dia vi que todos deram o tal salto qualitativo que sempre espero dos elencos! Todos com tanto brilho, com tamanha entrega que o “7” aconteceu profundo!
A gente só pesca peixes pequenos em águas rasas. Os grandes peixes e os mais interessantes estarão sempre nas profundezas, onde a luz não alcança e aonde os escafandros não chegam! Eles, os alunos, experimentaram o mergulho de fora pra dentro e tenho certeza que anarquizei conceitos pré estabelecidos. Eles me deram tanto em troca, tanto, que não consegui falar de tão emocionado que estava no final da apresentação na semana passada!
Sei que na minha vida existe uma organização cósmica, divina até, que sempre me coloca em prova, fora do eixo, em completo estado de DERIVA e não sei ser pela metade em nada! Ser pela metade me cansa em dobro! Só sei ser inteiro, e quando vi estava ali falando de mim, da minha família, dos meus amores, traições, carreira… Era uma autópsia de um corpo vivo e pulsante e eles se sentiram da mesma forma! Se eu estava tão inteiro, eles me responderam com a mesma intensidade!
A apresentação do “7” na CAL foi das melhores coisas que já fiz, pois era um pacto de sangue, um feitiço. Éramos vampiros, lobisomens, feiticeiros e bruxas que bebem da mesma fonte: A NOITE, que é nossa alma, as quatro fases da lua, o movimento da vida e da morte, o EROS e Thanatos se namorando, o NARCISO refletido no espelho e envelhecendo, a ALICE que salta no BURACO e às vezes é imensa pra uma sala e mínima na outra; a rainha má que um dia foi princesa boa. O quadro de Dorian Gray escondido no sótão; o Édipo Rodriguiniano que me persegue, os personagens femininos que dão voz, que me geram e me parem e que me matam como o assassino do cinturão!
Vi um elenco respirando junto e brincando de peteca! Depois do terceiro sinal dado por mim gritando: TERCEIRO SINAL, a magia aconteceu… Como numa sala, com pouquíssimos recursos num montagem impossível com todos dentro do palco, a montagem “7” aconteceu tão plena! Triangulando! Parafraseando Victor Hugo, “Se não há nada que brilhe no olho é que não há nada que pense no cérebro e nada que ame no coração”! E olhos todos estavam em brasas, pois sabiam o que estavam fazendo! Os corações estavam em chamas e as almas os conduziam a um estado de liberdade! A gente só liberta quando está preso, preso de informações de inteligência de domínio! Técnica pra BRASILEIRO é sinônimo de FRIEZA, já improvisação ou emoção apenas é sinônimo de ARTE viva.
Acho que só com técnica temos cibogues, só com emoção temos possessões demoníacas, e quando usamos a técnica a favor das nossas emoções saltamos para o estágio de inteligência emocional e domínio pleno de tudo!
È físico! É o que aprendemos na escola M.E.N, (mínimo de energia necessária): preciso que a água chegue a 100º pra ela se tornar outro estado (gasoso). 99º é pouco e 101º é desperdício e desgaste. Manter a chama acessa com a água a 100º é o meu oficio e é isso faz com que a gente GOT YA (te peguei) como dizem os americanos, e triangule com a plateia. É isso que faz com que a gente esqueça-se de si mesmo, quando a gente senta pra assistir e o terceiro sinal toca e é transportado ao mundo de mentira de pessoas que cantam e dançam. Aquilo, quando é bem feito, faz com que se torne realidade e você só sairá dela dias depois, e voltará centenas de vezes para esse embarque. É por isso que as pessoas veem musical centenas de vezes: para se buscarem nesse tempo pedido!
O teatro musical é tão transformador e talvez seja o gênero teatral de maior sucesso e maior frequência. Não são as grandes produções ou os grandes investimentos, naquela salinha, no bairro da GLÓRIA, sem dinheiro para o xerox, fizemos o feitiço e como diria a MC do Pippin, meu próximo MUSICAL: We’ve got magic to do Just for you!We’ve got miracle plays to play…
Meu amor e gratidão eterna por essa turma, pela CAL, pelo convite, pelo PAULO AFONSO, CLAUDIO (não preciso agradecer), em especial para meu MAESTRO MARCELO FARIAS e por esse momento que os DEUSES me pregaram . Saí de lá um trapo, mas com a alma absolutamente renovada, mudei de estado: VIREI GASOSO…
Veja mais fotos da apresentação de “7 – O Musical” no encerramento do Curso de Teatro Musical da CAL com Paulo Afonso e a dupla Möeller & Botelho:
Fotos: Leo Ladeira
FICHA TÉCNICA:
DIREÇÃO: Charles Möeller
DIREÇÃO MUSICAL: Claudio Botelho
MUSICA: Ed Motta
LETRAS: Claudio Botelho
PIANISTA ENSAIADOR E MAESTRO: Marcelo Farias
ELENCO
CASA DE CARMEN
Amélia – Cristiana Oliveira
Dona Carmen – Lana Rhodes
Assassino do Cinturão – Kalel de Oliveira
Herculano – Rodrigo Becker
CASA DE ROSA
Amélia – Giselle Prattes
Rosa – Helô Tenório
Bianca – Lola Fanucchi
CASA DE BIANCA
Bianca – Camilla Marotti
Herculano – Du Masset
Carmen – Victoria Reis
CASA DE ODETE
Amélia – Paula Alexander
Álvaro – Gabriel Manita
Odete – Reiner Tenente
Elvira – Alessandra Viganó
Madalena – Aurora Dias
Moça da Casa de Odete – Alessandra Breyer
Moça da Casa de Odete – Cynthya Fleury
Moça da Casa de Odete – Marina Borges
Moça da Casa de Odete – Rachel Pinheiro
Moça da Casa de Odete – Suzana Felske Morales
CASA DE CLARA
Clara – Elisa Caldeira
Clara – Gabriela Porto
Clara – Hannah Zeitoune
Clara – Laura Mollica
Clara – Mariana Barreiros
Clara – Rafaella Guttierrez
Sra. A – Du Villela
Sra. A – Mayra Bernardes
Sra. A – Patrícia Peixoto Astrachan
Sra. A – Rayza Noia Carneiro
Sra. A – Telma Leite
O Primeiro – Augusto Volcato
O Segundo – Raphael Oliver
O Terceiro – Guilherme Warkentin de Araújo
O Quarto – Bruno Leão
O Quinto – Tiago Dornelles
O Sexto – Caio Loki
O Sétimo – Leo Araujo
Caçador – Mario Maia
HOMENS DA NOITE
Ricardo Luiz da Silva
Alexandre Vieira
Marcelo Oliveira
Andre Junqueira
José Henrique Calazans